O fã de Edith Piá

 

 

Em Curitiba existe a expressão “piá de prédio”, que é equivalente ao que temos no Rio para “criado pela avó” ou “tomou leite com pera”, “soltou pipa no ventilador” e outros termos que comprovam que tal pessoa foi meio que preservada da vida real, foi protegida de tudo e que, por conta disso, não adquiriu jogo de cintura, malandragem mesmo. Ainda que o ex-juiz sergio moro seja um sujeito nascido em Maringá, no norte do estado do Paraná, ele se enquadra nessa categoria.

 

Mas tal pensamento é traiçoeiro. O ex-juiz foi figura-chave numa operação que derrubou uma presidente e impediu que um ex-presidente disputasse eleições, fatos que, caso tivessem se confirmado, não estaríamos nesta situação que vivemos hoje.

 

Declarado suspeito pelo STF, moro viu sua fama de super-herói reduzir-se a quase nada. E ontem, via globo, ele ressurgiu na telinha, explicando sua versão dos fatos, obviamente se explicando e mantendo a postura arrogante e petulante que já conhecemos bem. E, para completar sua fala, com um toque de erudição e distinção, ele disse que não se arrependia de nada do que fizera, e que, como Edith PIÁ, “Non, Je ME Ne Regrette Rien”. O certo seria EDITH PIAF e “Non, Je Ne Regrette Rien”.

 

A Internet veio abaixo. Várias pessoas desancando o ex-juiz – com razão – sobre sua lamentável e arrogante postura. Quem cita algo assim, certamente se leva muito a sério e se acha sensacional, culto e destacado. Fico pensando qual a referência que moro tem da canção francesa. E de Piaf.

 

Mas o que realmente me deixou triste foi o fato de que, apesar da grosseria verbal com a língua francesa e seu uso desnecessário em um programa visto por milhões de brasileiros, moro seguiu desempenhando um papel que é muito eficaz no Brasil. O doutor ilustrado. Muita gente que via sua declaração ontem jamais soube da existência de Edith Piaf ou de alguma canção que ela tenha gravado em vida. Para estas, nada melhor que um sujeito como moro, que tem o topete de usar a referência, mesmo que mal pronunciada. Ele é o “dotô que fala difícil”, o sujeito versado, vivido, mesmo que tal verniz não resista a uma bateria de perguntas elementares sobre referências.

 

A aparição de moro no jornal nacional de ontem é o uso de um espaço que lhe projetou nacionalmente, do mesmo jeito. Ali é veiculada a sua imagem, a sua ação e, mesmo que tenha sido patético, ele teve seu novo momento de exposição. Temos várias viúvas do moro nas fileiras do jornalismo político nacional, gente que, mesmo diante dos fatos, trata a ação do STF como “exagerada”, “obstrutora da luta contra a corrupção”.

 

Portanto, gente. Zoemos moro, mas fiquemos de olhos bem abertos. Este homem esteve à frente da maior conspiração jurídico-política da história do país. Ele é tosco, mas não é burro.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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