O disco perfeitinho de Miles Kane

 

 

Miles Kane – Change The Show

Gênero – Rock alternativo
Duração: 37 min
Faixas: 11
Produção: Miles Kane
Gravadora: BMG

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

Te faço um desafio: encontrar uma canção ruim neste quarto álbum de Miles Kane, “Change The Show”. Pode tentar, remexer, revirar ao avesso porque, simplesmente, não há nada que não seja muito bacana no disco. Kane, para quem não está ligando o nome à pessoa, é “o outro Last Shadow Puppet”, dupla que ele forma junto com Alex Turner, do Arctic Monkeys. E, mais que isso, é um cantor que já está no seu quarto álbum e apresenta uma carreira de dez anos. Ele também foi vocalista do grupo Rascals e, desde o início, já mostrava paixão pelo rock/pop mais tradicional, especialmente da virada dos anos 1960/70. Podemos dizer que Miles pertence a uma variante mais festiva de “mod”, aquele tipo musical que é fissurado em r&b sessentista americano, roupas da moda, visual bacana e tal. Neste ótimo “Change The Show”, Miles tem espaço e chance de assumir esta persona de forma integral, algo que só acontece agora, ainda que ele tenha dado pistas aqui e ali, especialmente no trabalho com Turner, no Last Shadow Puppets. Mais que pensar somente em estilo, Miles tem a manha e o talento para compor excelentes canções, algo que fica latente nestas onze faixas.

 

Se o trabalho anterior, “Coup de Grace”, era totalmente pendente para o glam rock, com ótimos resultados, este novo álbum abraça com força e amor a matriz do rock sessentista, quase virando setentista, cheio de influências da black music americana, especialmente o r&b. Não há qualquer pudor em povoar o álbum com floreios ao piano, metais, percussão e vários instrumentos “humanos”, deixando a eletrônica apenas para o cumprimento de tarefas técnicas em máquinas de gravação. Aliás, se formos pensar em termos de trabalhos recentes e de parcerias, este “Change The Show” poderia ser o irmão mais novo de “Tranquility Base Hotel And Casino”, último trabalho dos Arctic Monkeys, que mergulha também nos meandros mais obscuros do início dos anos 1970. E também há outro detalhe: Miles voltou para a Inglaterra, deixando sua casa em Los Angeles para trás, e fixando residência na periferia de Londres. Este movimento também simboliza uma mudança de coloração em seu trabalho.

 

Pois bem: se você gosta deste pop dourado sessentista tardio, este disco é sob medida. Tem tudo o que você precisa para se esbaldar: melodias perfeitas, arranjos feitos sob medida, solos, detalhes, tudo funciona lindamente e torna-se tarefa quase impossível destacar alguma canção, mas vamos lá. “Don’t Let Get You Down”, segunda faixa do álbum, tem um percussões maravilhosas, ótimos vocais de apoio e um DNA northern soul inegável “Nothing’s Gonna Be Good Enough”, que tem a participação fofa de Corinne Bailey-Rae, tem os ares de um standard da Motown fora de época, com tudo funcionando lindamente no arranjo e na execução, além da química que os dois apresentam. “See Ya When I See Ya” já é mais lentinha, com leve viés psicodélico e beatlemaníaco, com bons vocais e ótimo arranjo de metais, levando à belezura total que é “Never Get Tired Of Dancing”, que emula tinturas glam e r&b ao mesmo tempo, com uma estrutura irresistível, embutindo aí um convite expresso à dança.

 

Há algumas canções mais lentas que são verdadeiros brincos de ouro da princesa, caso de “Coming Of Age”, que é propulsionada por percussão e pianos, com andamento para se dançar de rostinho colado sob a luz da lua. “Constantly” é outra lindeza, que tenta soar como uma produção de Phil Spector, com vocais sussurrados e estrutura linda. Mais pro fim do álbum, “Caroline” soa como a luz do sol chegando após semanas de frio e chuva, chegando mesmo a lembrar “Shout To The Top”, do Style Council em seu andamento de piano. E “Adios Ta-ra-ta-ra” recupera um pouco das tais tinturas glam, mas de modo muito discreto e sutil. Ainda dá pra sentir a influência do soul pop permeando o arranjo e os vocais.

 

É isso. “Change The Show” é disco sem faixa ruim, sem desperdício, sem outro erro que não seja pecar um pouco pela falta de originalidade, segundo os veículos mais chatos da imprensa gringa. Aqui a gente não liga pra isso e prefer ficar atento à impressionante capacidade que Miles Kane demonstra no álbum, seja como cantor, arranjador ou produtor. O cara sobe de divisão com este álbum. Ouça.

 

Ouça primeiro: todo o disco é ótimo.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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