Novo disco de Ty Segall é sensacional

 

 

Ty Segall – Harmonizer

Gênero: Lo-Fi, Garage Rock

Duração: 35:23 min.
Faixas: 10
Produção: Ty Segall e Cooper Crain
Gravadora: Drag City

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Doze anos de carreira, 20 álbuns gravados. Sim, isso mesmo. “Harmonizer” é o vigésimo lançamento de Ty Segall, um dos expoentes dessa sonoridade neo-garageira que surgiu nos Estados Unidos nos últimos anos (desde a década de 2000, na verdade) e conta com gente como John Dwyer e The OhSees como representantes mais conhecidos. Segall é prolífico como eles, uma vez que os discos que produzem são todos feitos com baixos recursos, muita doideira musical e uma capacidade impressionante de cobrir vários territórios da música pop. Por isso, eu implico um pouco com essa nomenclatura “garage” para estes discos, uma vez que eles vão de metal ao glam, passando pela psicodelia, para mostrar suas nuances e detalhes. Segall, por exemplo, já fez folk psicodélico, metal maluco, doideiras sonoras mil para dizer ao que veio. Nem sempre primou pela qualidade sonora mas, bem, este é o território do Lo-Fi, um estilo que pede e ressignifica a tosquice na gravação. Por outro lado, é preciso ter a manha para poder, de dentro do seu quarto ou estúdio minúsculo, conseguir fazer soar bem um disco de música pop. E Segall parece ter chegado a um marco com este ótimo “Harmonizer”.

 

É bem verdade que ele não foi gravado de forma amadora, pelo contrário. Segall contou com a co-produção e mixagem de Cooper Crain e trouxe vários colaborares para o álbum. Sua esposa, Denée Segall, compôs e cantou com ele “Feel Good,” co-escreveu “Waxman,” e assina a arte do álbum Músicos da banda de apoio de Segall, a Freedom Band, também estão por aqui. O baixista Mikal Cronin, o baterista e percurssionista Charles Moothart, o guitarrista Emmett Kelly, e o pianista Ben Boye participam de todas as faixas do álbum. Mas, ainda que haja tantas pessoas envolvidas, o som é puro Ty Segall por sua própria conta, ou seja, o som, inegavelmente bem gravado, é “tosco”, parece amador. E isso é um dos grandes trunfos, visto que há muito talento envolvido na confecção das texturas sonoras e climas. O uso de sintetizadores, por exemplo, é uma das grandes marcas de “Harmonizer”, mas nem todo mundo vai perceber como eles são bem pensados e dispostos ao longo das faixas. Eles encorpam as levadas de guitarra, não surgem como instrumentos de harmonia ou algo assim. O resultado é ótimo.

 

Musicalmente falando, o clima que “Harmonizer” evoca é de uma cruza estranha entre um Black Sabbath menos pomposo e uma versão menos pesada de um Queens Of The Stone Age, tudo isso produzido e pensado por … Beck. E o resultado é muito divertido e arejado. Já na segunda faixa, “Whisper”, dá pra pensar que Segall encarnou uma variante do multiverso de Ozzy Osborne, mas o groove da faixa nos puxa para a realidade. Em “Erased”, logo em seguida, o peso é bem maior, o andamento é mais lento, um sintetizador agudo pontua o arranjo e, novamente, a impressão de que há um dedo do Black Sabbath teima em vir na mente. A faixa-título já é mais rápida, mas igualmente pesada e tempestuosa, cheia de riffs que guitarra processados em engenhocas de procedência duvidosa, enquanto a voz de Segall, dessa vez, encarna um vocal glam em meio a batidas sintéticas intencionalmenbte artificiais. Em “Pictures” o peso volta, o andamento elíptico e as guitarras em looping também estão presentes. Tudo muito legal e bem feito, lembrando algo dos anos 1990, talvez uma versão mais pop do Kyuss.

 

Falando em 1990’s, “Ride” é o máximo que Segall – talvez sem querer – chega de bandas grunge, mas deliberadamente cheio de timbres de sintetizador e efeitos, ficando apenas no andamento e no clima obsessivo. “Waxman”, logo em seguida, já encarna o peso mamútico dos anos 1970, lembrando até, veja você, Mountain e outras bandas clássicas daquele tempo. “Play” é puro groove peso-pesado, com funk na alma do baterista e nova onda de riffs pesadões e sintetizadores que ornamentam todo o percurso. “Feel Good” é uma bela concessão à dança, com um misto-quente sonoro que lembra até Devo em meio aos vocais de Dénee Segall, elemento que dá um charme impensado ao disco. “Changing Contours” fecha a conta, com mais uma cruza enlouquecida de elementos eletrônicos e peso sabbathiano, com direito a vocais novamente emulando uma versão millennial de um Ozzy Osborne impossível, mas provável.

 

“Harmonizer” é uma grande e adorável sacanagem sonora. É o máximo do improviso de natureza Lo-Fi, travestido de grande produção, com ótimas canções e muita sagacidade de estúdio. Um dos grandes discos do ano, sem dúvida.

 

Ouça primeiro: o disco todo.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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