Novo álbum de Benmont Tench vem cheio de beleza
Benmont Tench – The Melancholy Season
45′, 13 faixas
(BMG)

O que Johnny Cash, U2, Bob Dylan, Roy Orbison, Rolling Stones, Elvis Costello, Paul Westerberg, Ramones, Green Day, The Cult, Jayhawks, Fiona Apple têm em comum? São artistas que já gravaram canções com a participação de Benmont Tench no piano ou no órgão. Como se isso não fosse suficiente, Benmont é um dos fundadores de uma banda chamada Tom Petty And The Heartbreakers, há mais de quarenta anos. E, sim, foi com Tom Petty, Mike Campbell e outros mavericks da canção americana que ele forjou sua identidade com um dos músicos mais importantes em atividade no planeta. Dono de uma das agendas mais disputadas entre os session men do mercado, Tench é um cara que está apenas no segundo álbum solo. Tímido, do tipo eminência parda, ele é daqueles jogadores que preferem servir o artilheiro em vez de chutar a bola pras redes. Mas, quando ele faz algo próprio, a qualidade é tamanha que deixa todos fascinados. Assim foi com sua estreia solo em “You Should Be So Lucky”, lançada em abril de 2014 e também com este seu novo trabalho, The Melancholy Season”. Discos diferentes porém unidos pelo mesmo vértice, no qual está a classe e a elegância deste sujeito. Senão vejamos.
Tench pertence a esta categoria nunca dimensionada de grandes músicos do rock, country, blues, soul e jazz americanos. Digo “nunca dimensionada” porque são caras que oscilam em termos de inflência e inspiração, mas que sempre estão dentro deste escopo – grande – que define esta sonoridade híbrida. Gente como Eagles, Dr. John, o próprio Tom Petty, Bruce Springsteen, Allen Toussaint, todos, ainda que bem diferentes em termos temporais e estéticos, estão contidos nesta grande e larga prateleira. Essa sensação dá ao ouvinte quase uma certeza do que irá ouvir e essa sensação se confirma logo nas primeiras notas da primeira canção do álbum. Mesmo que diferente do trabalho anterior, “The Melancholy Season” é inegavelmente um disco de Benmont Tench. A diferença está em algo que vai além do caldeirão de referências – o mood do próprio artista e talvez isso tenha a ver com o fato de que este é o primeiro trabalho que Benmont lança após a morte de Petty, em 2017. Assim com David Bowie, Tom Petty é um desses caras que não deveriam nunca morrer, mas este assunto é para outro texto.
“The Melancholy Season”, como o nome já diz, é mais soturno. A imprensa gringa usou uma expressão bem feliz e pertinente – “é um disco para ser ouvido depois da uma da manhã, quando todo mundo está em silêncio”. De fato, é um trabalho mais contemplativo e menos ousado que o anterior, mas esta “quietude” não dá a tônica totalmente por aqui. Por exemplo, “Rattle”, a terceira faixa, é um rockão em tom menor, com dinâmica rápida e uma vibe Chuck Berry sem o esporro do original. Funciona muito bem, especialmente no contraste da voz arenosa de Tench com a pegada do arranjo. Há mais contraste naquela que é a melhor canção do álbum, “I Will Not Follow You Down”, com uma bela parte de guitarra e uma letra-atitude que vai contra o coitadismo, a culpa exacerbada e as atitudes que podem jogar por água baixo um relacionamento. Ou seja, há atitude na quietude e isso quer dizer bastante em termos de sutilezadas e pontos de vista. E tem outra canção genial, “Back”, que parece uma cruza dos próprios Heartbreakers com The Cars pré-fama mundial. Uma lindeza com a marca indelével da genialidade de Tench no órgão.
A sutileza de “The Melancholy Season” vem nas pequenas coisas. Em “Wobbles”, por exemplo, Tench adentra o terreno sacrossanto das baladas dramáticas e com levadas que acenam para um latinidade discreta e elegante, mais ou menos como Roy Orbison em clássicos como “Blue Bayou”. O clima é parecido, a beleza é quase a mesma e o resultado é terrivelmente lindo. Assim como na faixa-título, que abre o álbum, com uma pegada muito próxima do rock-country de FM dos anos 1970, honrando gente como Eagles, Poco e derivados. Tudo belo e cheio de classe. Por fim, “Dallas”, uma balada folk ao violão, escura como a noite, adentra o terreno mítico das idas e vindas pela estrada, dentro da mitologia do homem em movimento, da relação com os lugares e as pessoas, entendendo o que fica para trás na distância. É tudo familiar e bem bonito.
“The Melancholy Season” é um exemplo clássico de elegância e fluência num idioma de música pop que está envelhecendo gentilmente. Benmont Tench é gênio. Tem ótimos momentos por aqui, não perca.
Ouça primeiro: “Wobbles”, “Back”, “I Will Not Follow You Down”, “Rattle”, “The Melancholy Season”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.