As Tristes Demissões na ESPN Brasil

 

A notícia de cortes na ESPN Brasil chegou ontem à tarde, como uma bomba. Espectador do canal que sou, conhecendo gente que lá trabalha, fiquei apreensivo e triste com a partida de gente experiente e com senso crítico aplicado à análise esportiva. Saem Arnaldo Ribeiro, Eduardo Tironi, Mauricio Barros, Claudio Arreguy e Rafael Oliveira, todos comentaristas esportivos, além de João Canalha, apresentador. Além deles, Renata Netto, gerente de produção e João Palomino, vice-presidente de jornalismo, também deixam a emissora. E Juca Kfouri, veterano jornalista multitarefas, não terá seu contrato renovado em 29 de agosto próximo. Em tempo: Tironi era também diretor e Arnaldo era chefe de redação dos canais ESPN. Durma-se com um barulho desses, certo?

 

Repito, como espectador, lamento profundamente. Como pesquisador e também jornalista, lamento muito mais. Ao ler algumas análises sobre o ocorrido, dei de cara com gente que dizia que a ESPN Brasil apostou numa elitização há algum tempo. Faz sentido. Se a gente entende por “elitização” a análise opinativa de conteúdo com conhecimento de causa, que seja. Mas não. A tal opção elitista, empreendida pela emissora, passa por uma postura e por uma crise econômica e de paradigma da própria análise esportiva. Apesar de pertencer ao poderoso grupo Disney, a ESPN brasileira não tem poderio econômico para comprar direitos de transmissão de eventos como Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil ou mesmo Copa do Mundo. Tais competições ficam a cargo de emissoras como Globo ou Fox, com Esporte Interativo correndo por fora. Não precisa ir muito longe para constatar o abismo entre os comentaristas desses canais, se comparados à ESPN Brasil. Abro exceção para Milton Leite (SporTV) e Paulo Vinicius Coelho, o PVC (Fox), não por acaso, ambos ex-ESPN Brasil. Além deles, com boa vontade no coração, dá pra salvar Lédio Carmona, apesar de sua apatia ao comentar. O resto, meus caros, é lamentável, a menos que você queira outra coisa além de análise esportiva.

 

Mas, sim, eu sei. Vivemos um tempo cruel para a inteligência e o conhecimento e todos os campos são afetados. Não é diferente com a ESPN Brasil e seus analistas. Sob este ponto de vista, não faz sentido ter um nerd de futebol internacional como o Rafael Oliveira, capaz de escalar a seleção do Mali e ainda dizer em que times jogam os seus integrantes. Não faz sentido ter um comentarista como Eduardo Tironi, equilibrado, sério e com conhecimento de causa. Não compensa ter Arnaldo Ribeiro e seus “porras” soltos no Linha de Passe, quando fala do seu São Paulo FC. Ou ter Juca, que é notório defensor do ex-presidente Lula, ativista político e mantenedor de um blog no qual critica o atual estado de coisas do país. Pra que ter essa gente perigosa e que dá pouca audiência?

 

As tais análises dão conta do baixo índice de audiência da emissora, segundo alguns institutos, perto do traço em São Paulo. Pudera, a ESPN Brasil não está nos pacotes básicos de assinatura. É preciso pagar um valor extra para assisti-la. Se conseguisse transmitir os eventos de maior porte esportivo, mencionados acima, talvez a situação mudasse. A emissora transmitiu o Pan há pouco, em Lima. Você viu alguma transmissão? Nem eu. Por enquanto, a ESPN ainda consegue alguma independência e personalidade ao deter os direitos de transmitir as ligas espanhola, alemã e italiana. Também traz a Premier League e as ligas americanas de esportes, NBA, NFL, MLS, entre outras, nas quais o narrador Rômulo Mendonça é estrela em ascensão. Não tardará a receber propostas para deixar a emissora e perder todas as suas características sob a imposição de padrões de etiqueta em outras redes, já vimos acontecer antes.

 

Além das análises de mercado, audiência e da crise que a inteligência vive em 2019 – e antes dele, admitamos – a posição política deve influenciar tais decisões. Juca Kfouri, assim como José Trajano, veterano jornalista demitido do canal há alguns anos, não esconde suas convicções. Alguns dos outros demitidos, mesmo que muito discretamente, também deixaram entrever algumas vezes sua forma de pensamento. Ora bolas, e por que deveriam esconder? Não vivemos numa democracia? Não. Há poucos dias, “presidente” do Brasil disse que vai varrer do país a “turma vermelha”, numa frase que parece comportar tudo, menos o diálogo e o debate, duas instâncias essenciais à democracia. Mas, como eu disse, vivemos tempos em que a inteligência e, por que não dizer, a própria democracia estão sob ataque. Parece que elas não servem mais para nada, trocadas por números, algoritmos, curtidas e doses cada vez maiores de imbecilização. Ou macartismo à brasileira, vá saber.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “As Tristes Demissões na ESPN Brasil

  • 15 de agosto de 2019 em 12:56
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    Em tempo, não sou lá muito adepto do esporte bretão. Mas adoro Esportes. Acompanhei o Pan no SporTV. Não houve nada na Record, dona dos direitos na TV aberta, a não ser boletins diários (e olhe lá!).Na ESPN então… transmissão ao vivo?Nada!

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