Morreu Ryuichi Sakamoto
Foi divulgada hoje, domingo, dia 02 de abril, a morte de Ryuichi Sakamoto, mas o músico japonês já havia falecido na terça-feira, dia 28 de março, vítima de câncer no intestino. É uma perda irreparável para a música universal. Uso este termo porque não dá pra compartimentar o que Sakamoto produziu ao longo da vida. Desde o início, como integrante da Yellow Magic Orchestra, espécie de Kraftwerk nipônico, o músico já trazia um leque de influências que iam de Claude Debussy ao hip-hop, passando por Tom Jobim. Foi com a YMO que Sakamoto entrou para a história pela primeira vez, ao produzir e gravar a pioneira canção com uso de samplers, uma cover de “Firecraker”, presente no álbum “Yellow Magic Orchestra”, lançado em 1978. O original, gravado pelo americano Martin Denny, em 1959, se inseria na categoria “exótica” da música pop da época, ou seja, canções com forte presença de elementos estranhos no arranjo, feitas sob medida para testar os novíssimos aparelhos domésticos de som estéreo. O que é oriental fake no original, a YMO subverte para um oriental moderno e real, inundando a melodia com samples de videogames da época. Um verdadeiro marco.
Sakamoto também entraria para a história com sua banda, pois eles foram os primeiros japoneses a se apresentarem no prestigiado programa Soul Train, na TV americana, levando uma cover techopop genial para “Tighten Up”, clássica canção do grupo Archie Bell And The Drells. Quando iniciou sua carreira solo, em paralelo ao grupo, Ryuichi também se tornou responsável, junto com nomes como Afrika Bambaataa, por criar o electro-funk. A faixa “Riot In Lagos”, de seu segundo álbum solo, “B-2 Unit”, de 1980, é considerada um marco histórico para a música eletrônica e suas diferentes fusões ao longo daquela década. Ele trabalharia com nomes como Whodini, Thomas Dolby, Talking Heads, entre outros. Sakamoto, no entanto, se tornaria mundialmente conhecido por estrelar e assinar a trilha sonora do filme “Merry Christmas, Mr.Lawrence”, de 1983. A faixa-título, cujo início lembra demais “Pela Luz Dos Olhos Teus”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes”, tornou-se um hit informal mundial e sua versão com letra, batizada “Forbidden Colors”, tem a participação de David Sylvian.
A partir daí, a carreira como compositor de trilhas sonoras para o cinema tornou-se o principal caminho para a música de Sakamoto ser conhecida. Ele venceu o BAFTA de 1983 por “Mr.Lawrence” e venceria o Oscar em 1987 por “O Último Imperador”, composta e gravada em parceria com David Byrne e Cong Su. O Globo de Ouro de 1990 seria vencido por outra trilha, a de “The Sheltering Sky” e Sakamoto ainda seria indicado em 1993 (“O Pequeno Buda”) e 2017 (“The Revenant”). Mesmo com esta vertente principal de trabalho, ele seguiu lançado discos muito elogiados e interessantes ao longo do tempo, como a colaboração com o Aztec Camera, “Dreamland” (1993), “Smoochy” (1995), “BTTB” (1999) e o excelente “Async” (2017). Neste ano, ele lançou “12”, seu derradeiro trabalho.
Em 2001, o belíssimo álbum “Casa” inaugurou a parceria entre Sakamoto e o casal Paula e Jaques Morelenbaum. Gravado na casa de Tom Jobim, o disco relê várias canções compostas por Tom ao longo da carreira, mostrando o tanto de admiração que Ryuichi sempre teve pela música do brasileiro. O disco foi sucesso mundial e gerou duas continuações, gravadas ao vivo, em Tóquio e Nova York. A crítica especializada do New York Times colocou “Casa” entre os mais importantes álbuns lançados naquele ano.
Sakamoto era ativista contra as minas terrestres, defendia a democratização das leis de copyrights, detestava energia nuclear e chegou a ter o Dalai Lama como participante de uma criação sua, no caso, a ópera “LIFE” e compôs o hino oficial da Federação Japonesa de Futebol, entre outros mil trabalhos e formas de expressão. Desde 2014 ele vinha lutando contra o câncer, que entrou em metástase ao longo do tempo. Em dezembro de 2022, ele se apresentou ao vivo pela última vez e, finalmente, faleceu no dia 28 de março.
Muito mais que um músico, Ryuichi Sakamoto era uma força criativa multi-tarefas. Seu trabalho está em toda parte e merece ser visto e apreciado. O tempo nunca o limitou. Que descanse em paz.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Excelente texto sobre a obra do grande Sakamoto.