Misterioso grupo SAULT lança novo álbum
SAULT – 10
43′, 10 faixas
(Forever Living Originals)

Com o SAULT não dá pra cochilar. Não bastasse o grupo britânico lançar álbuns sem qualquer aviso prévio e sem qualquer informação oficial, os sujeitos seguem sem dar entrevistas ou fazer aparições de qualquer espécie, exceto por um show dado em Londres, em 2023. Além disso, o tráfico de informações na esfera da banda também confunde os mais afoitos. Por exemplo, “10”, seu novo álbum, que surgiu sem aviso no último domingo, 20 de abril, é o décimo segundo da carreira do SAULT. E tem o mesmo título de um EP lançado há cerca de três anos. Não bastasse isso, os títulos das canções são abreviados, formando anagramas. A primeira faixa, por exemplo, se chama “T.H”. Depois vem “R.L”, “K.T.Y.W.S” e por aí vai. Mas há uma constante – a melhor de todas – presente nas obras do grupo: a excelência. Assim como seus antecessores, “10” é uma lindeza que parte do soul e do funk americanos dos anos 1970, devidamente processados e ambientados nesta nossa modernidade vazia. Tudo é belo, bem tocado e majestosamente pensado neste trabalho. Vejamos.
Como vivemos cada vez mais na periferia da música popular relevante do mundo, qualquer informação só é conseguida na base da raça. E, quando o assunto é SAULT, imagino que a Célula Pop seja uma fonte importante em língua portuguesa sobre a banda. Já fizemos uma matéria sobre as origens da banda (você lê aqui) e sobre o último álbum dos caras, “Acts Of Faith”, que foi lançado no fim de 2024 e, como deixamos pra fazer a lista de melhores apenas em janeiro deste ano, deu tempo de incluí-lo entre os trabalhos mais bacanas do ano passado. O curto espaço de tempo entre a chegada dele e a de “10” (menos de seis meses), mostra como o SAULT não tem regras, ou , pelo menos, não segue as vigentes na indústria musical vigente hoje. Ele se aproveita como pode da facilidade trazida pela música digital e dribla a lei da imagem com o mistério sobre seus integrantes, capas e clipes pirotécnicos e tudo mais que sirva para distrair. Sendo assim, sua música se torna de fácil acesso e importante, num interessante desvirtuamento da lógica de hoje. Ou seja, só temos as músicas para ouvir e concluir, nada mais. E nem precisa.
Como dissemos acima, cavamos as informações e sabemos que o núcleo pensante do SAULT é composto por Cleo Sol, Kid Sister, Little Simz, Chronixx e Michael Kiwanuka, além do produtor In-Flo, que é o idealizador da coisa toda. A coisa muda um pouco de figura porque há uma pendenga judicial na qual Little Simz acusa In-Flo por conta de um valor de dois milhões de libras supostamente tomados em empréstimo, que não foram pagos ou algo assim. A questão corre nos tribunais ingleses e, como é comum no caso da banda, poucas informações estão disponíveis. A princípio o valor teria sido utilizado para viabilizar o show – único até agora – que a banda fez em Londres, em 2023. Sabemos que a palheta sonora do grupo pode mover-se entre gêneros adjacentes, pegando mais forte no soul ou no funk, ou mesmo no easy listening orquestral, como já ocorreu no passado em “11”, lançado em 2022. O que dá pra dizer de “10” é que ele é um álbum que tem mais inflexões gospel do que os anteriores, talvez por conta do lançamento ter acontecido na Páscoa, vá saber. O fato é que, apesar disso, temos o som carimbado da banda, elegante e belo.
“10” é um álbum brilhante. Todas as faixas brilham por cores e tons próprios, mas dá pra destacar quatro pontos altíssimos. A abertura, com “T.H”, que introduz o ouvinte neste mundo à parte, começa com sussurros, que vão se mesclando a sons percussivos, até que uma bateria em altíssima velocidade, lembrando grooves jamesbrownianos, entra em ação junto com flautas e vocais femininos. Daí em diante já não estamos mais na mesma dimensão de antes. Em “K.T.Y.W.S”, a terceira faixa, um groove mágico toma conta desde o início e uma linha de baixo vai sofrendo mutações à medida que a canção vai avançando em meio a mais vocais femininos, numa lindeza que não pode ser descrita completamente em palavras. Lembra Roberta Flack, Minnie Riperton, soul da Filadélfia e mais coisas sublimes. Tem a belezura atmosférica de “S.I.T.L”, que começa como uma “lentinha” e vai se desdobrando em camadas e sentidos mil. Novamente temos uma execução perfeita de baixo, bateria e teclado, algo que já não se faz mais hoje e ainda soa mais moderno do que tudo feito hoje. É um doce paradoxo a que o SAULT nos induz. O outro píncaro do álbum vem com a penúltima faixa, “W.A.L”, que tem mais groove mutante de baixo, mais levada aerodinâmica e uma aura jazz-funk que remonta aos grandes, especialmente a fase mais funky de Herbie Hancock, com vocais femininos em coro. Coisa de louco.
Apostar na excelência do SAULT é uma das mais fáceis apostas possíveis. Os caras parecem imunes a erros e perda de foco. Só fazem álbuns sensacionais, cheios de canções perfeitas e inesquecíveis. Ouça, conheça, não perca mais tempo.
Ouça primeiro: o disco todo.

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.