O impressionante novo álbum da dupla Kit Sebastian
Kit Sebastian – New Internationale
40′, 10 faixas
(Brainfeeder)

Se você é um admirador da boa música pop, aquela feita com influências bacanas, bom senso melódico, talento nas composições e uma pitada de ousadia estética, arrisco cravar que os tempos de hoje são irresistíveis. Muito além das fronteiras burras da nossa paupérrima e burríssima produção mainstream e da nossa mídia hegemônica e sua lógica obtusa de divulgação de música pop, existe um mundo de criatividade borbulhante, aguardando sua atenção. Para que isso ocorra, você, ouvinte, leitor/a, precisa ter força de vontade e usar das ferramentas disponíveis na Internet para chegar lá. Nós, na Célula Pop, fazemos o possível para te atualizar e mostrar esses artistas, mas você precisa fazer sua parte. Se fizer, certamente sairá com uma recompensa de muito valor, não só pela independência de mecanismos como o rock in rio ou as combalidas páginas de cultura dos veículos de comunicação, como pela sensação de esclarecimento e atualidade. Bem, dentro dessa lógica, queremos te apresentar o duo Kit Sebastian. Seu terceiro álbum, “New Internationale”, é uma das mais sensacionais delícias musicais deste 2024, tamanho o talento para compor e arranjar ótimas canções, como para ter um formato sonoro cheio de charme e influências instigantes.
A história de Kit Martin e Merve Erdem é interessante e inusitada. Martin é francês e multiinstrumentista, desenvolveu o conceito da dupla ainda sozinho, quando morava no interior da França e viajava ocasionalmente, com a família, para Londres. O desejo do sujeito era fazer algo que misturasse influências tão aparentemente díspares como a psicodelia anglo-francesa sessentista, um pouco de música brasileira e acentos psicodélicos turcos. Começou a compor e, quando teve a chance, mudou-se definitivamente para Londres, uma cidade borbulhante em termos culturais. Lá, após colocar um anúncio num semanário musical, conhece Merve, nascida em Istambul, mas que havia estudado em Roma e há pouco tempo residindo na capital inglesa. Após começarem a colaborar, a dupla que ele havia idealizado, não só ganhou forma, como ampliou-se exponencialmente, sobretudo por conta das influências dela. Merve adicionou um toque retrofuturista à mistura e ampliou a fluência na musicalidade turca, algo que Martin admirava mas conhecia pouco. Com ela, vieram as canções com letras em turco e um charme exótico que incorporou-se naturalmente à música do Kit Sebastian.
A estreia veio em “Mantra Moderne”, lançado em 2020, que impressionou a todos na gravadora Mr. Bongo, que havia contratado e produzido o duo a partir de algumas fitas-demo precárias. O burburinho cresceu e, em poucos meses, veio o segundo disco, “Melodi”, de 2021, no qual Kit e Merve adicionaram mais um elemento à mistura: o jazz pop dos anos 1980. O single “Elegy For Love”, lembra, ao mesmo tempo, Sade e Jane Birkin, tudo empacotado com arranjos que lembram a genialidade de gente como Joe Meek e Burt Bacharach. Com a chegada de “New Internationale”, é notável a evolução dos dois como compositores e criadores no estúdio. Os arranjos estão mais focados e consistentes e as novíssimas canções são excelentes, mas o que impressionante é a habilidade de costurar tantas referências estéticas num único pacote rítmico e sônico, verdadeiro deleite para quem gosta de ouvir música prestando atenção, procurando entender intenções e desejos do artista. E, novamente: tal ousadia e competência em misturar de nada adiantaria se Kit e Merve não fossem compositores hábeis. “New Internationale” não tem erros.
O equilíbrio a que me refiro está presente em uma canção como “Ellerin Ellerimde”, cantada em turco, com um groove que mistura habilmente instrumentos típicos, estrutura musical e leva tudo isso para um ambiente mais cosmopolita e plural, ajudado pela ótima voz de Merve. Ela brilha em outra canção em turco, “Goc/Me”, que tem uma levada funkeada e altamente irresistível, adornada por vários teclados e percussões bem pensadas e executadas. “Metropolis” é outro momento de fusão muito bem pensada e calculada, que deixa transparecer em meio às cítaras e tablas uma melodia universal e altamente chique, com guitarrinhas e baixo funk. “Bul Bul Bul” é o ponto altíssimo do álbum, com mais funk à la trilha sonora de James Bond e arranjo em alta velocidade, misturando eficiência rítmica com fluência pop irresistível. E se estamos falando de gente que gosta de pop psicodélico sessentista, o que dizer de “Mechanics Of Love”, que enverga uma melodia que poderia estar numa canção de Dusty Springfield ou do grupo Classics IV?
“New Internationale” é um dos grandes álbuns de 2024, consolida uma dupla impressionante, que merece mais fama e visibilidade. Estão trabalhando pra isso e já é possível ver do que são capazes. Bravo. Ouça, conheça, ame.
Ouça primeiro: “Ellerin Ellerimde”, “Goc/Me”, “Metropolis”, “Bul Bul Bul”, “Mechanics Of Love”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Excelente resenha sou melomano e adoro música pop europeia , por acaso cheguei nesta dupla e fui pesquisar e cheguei nesta resenha parabéns