Maria Luiza Jobim atualiza a carioquice em novo álbum

 

 

 

Maria Luiza Jobim – Azul
35′, 10 faixas
(Das Duas)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

O Rio de Janeiro é bem menos lindo hoje do que em outros tempos. Mesmo assim, ainda há algumas coisas que valem à pena, palavra de carioca. Maria Luiza Jobim dedicou seu segundo álbum, “Azul”, à expressão deste louvor à cidade, de um jeito muito natural e nada estilizado, fugindo gloriosamente das manifestações feitas sob medida para turistas que vagam entre o Corcovado e o bondinho do Pão de Açúcar. O que Maria exalta nas dez faixas do álbum é a carioquice, as expressões idiomáticas, o sotaque, as experiências compartilhadas – cheiros, gostos, sons – e uma tristeza à beira mar, fruto talvez dos desmandos políticos que marcaram a história do Rio – cidade e estado – neste século. Mesmo assim, ela tem habilidade de sobra para investigar essas instâncias inefáveis do existir no Rio e traduz com graça impressionante, libertando-se do estigma de honrar a todo custo seu sobrenome (ela é a filha caçula de Tom Jobim) e encontrando um caminho próprio, artístico e estético.

 

 

Se em “Casa Branca”, sua estreia solo , de 2019, Maria – que já integrara a Banda Baleia e o duo eletrônico Opala – ainda carecia de identidade própria, em “Azul” ela encontrou e se apropriou de um lugar que parecia vago. Com um olhar educado, estético e quase arquitetônico, ela vai construindo paisagens que retratam a vida no Rio. Claro que não estamos falando de uma crônica social sobre a amplitude e a totalidade de pessoas que vivem na antiga capital do país, mas Maria consegue falar sem obstáculos para quem recebia as mensagens das canções de seu pai e de sua turma bossanovista, ainda que não haja traço do estilo nas faixas do álbum. Talvez a última, “Nada Sou Sou”, com participação da cantora japonesa Lisa Ono, cantada no idioma do sol nascente, tenha reminiscências, mas nada que identifique Maria com o movimento. Aliás, o grande mérito de “Azul” é soar absolutamente contemporâneo, sem nostalgias ou olhares saudosos para outra época. É um álbum de hoje, uma polaroide, um instantâneo do momento de sua criadora e seu espaço.

 

 

O álbum, produzido por ela e por Alberto Continentino, também tem participações bacanas. Mario Caldato Jr pilotou seu estúdio em Los Angeles para a realização do adorável single “Boca de Açaí”. Adriana Calcanhotto escreveu a letra da ótima “Papais”, a partir de melodia que Maria Luiza lhe enviou. Arnando Antunes fez o mesmo em “O Culpado é o Cupido”, e ainda colocou sua voz gravíssima no registro da canção. Lucas Vasconellos, onipresente músico e pensador sonoro, também está presente nas parcerias e no estúdio, assim como Cezar Mendes. Com este núcleo criativo – e mais outros, como Dadi, Marlon Sette – , Maria Luiza traçou este diário sonoro que é “Azul”. Sua habilidade na composição e nos arranjos é grande e sua voz se encaixa muito bem em suas criações. Quando ela enumera as imagens em “Boca de Açaí”, em homenagem ao Rio que paira no ar, se sai muito bem: “Amendoeiras, peixes e árvores/Pão na chapa/Boca de açaí/Fica fácil só de te ver passar/Na minha cidade/Vento que vem do mar”, mostrando uma percepção das pequenas coisas e de como isso pode ser universal, basta cada um adaptar ao seu lugar de origem.

 

 

Outros momentos de “Azul” são dignos de nota. “Ostra”, o segundo single do álbum, já mostra a vulnerabilidade pessoal em contraponto ao todo maior que é a cidade e sua vivência, expondo o mar como metáfora. “Ré” já vai por outro lado, com uma linguagem pop mais universal, igualmente fluida, falando sobre amor “Vivo inventando motivos e pretextos, sem perna nem cabeça, pra não te querer”. “O Culpado é o Cupido” tem viés lúdico, mas também fala sobre um amor não correspondido que se transforma em conquista, enquanto “Drama”, apesar do título, tem arranjo leve e muito belo, com metais, teclados e bateria, que emolduram melodia bela e decidida. “O Tempo”, faixa que abre o álbum, tem dedilhados de violões e dinâmica lenta, refletindo sobre o passar dos dias “Ver o tempo muda devagar/E pra mim faz tanto tempo…” novamente sob o ponto de vista pessoal em justaposição ao sentimento universal do transcorrer. “Papais” também fala do tempo, mas tem visão mais arejada e solar sobre o sentimento, temperando-o com amor e bem-querer. E tem uma citação belíssima e discreta a “Luiza”, de Tom Jobim, no seu final. E as duas regravações do álbum também se encaixam belamente: “Samba do Soho”, de Paulo Jobim, seu irmão, morto ano passado, surge com uma dinâmica próxima do original – registrado em “Passarim”, álbum de Tom de 1987, e “Nada Sou Sou”, originalmente composta em 2002, por Ryoko Moriyama, Shimabukuro Masaru, Eisho Higa e Hitoschi Uechi.

 

 

“Azul” é uma maravilha. Precisa ser conhecido pelo maior número de pessoas. Maria já tem datas para shows na Europa a partir de julho e alguém precisa trazê-la para cantar em sua própria cidade, em seu próprio país, as belezas deste Rio que teima em ser belo.

 

Ouça primeiro: “Ré”, “Boca de Açaí”, “Papais”, “O Tempo”, “Ostra”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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