A live da Ivete

 

 

Ontem, dia 25 de abril, o canal Multishow transmitiu a live da cantora baiana Ivete Sangalo, inaugurando um novo formato, no qual a TV transmite o evento da Internet, numa estranha confusão de meios e mídias, que até gerou um bloqueio automático do site de vídeos, por conta do evento estar atrelado aos direitos do Grupo Globo. Mas isso é só um detalhe diante do conteúdo que Ivete criou para os espectadores. De pijamas na sala de casa, com o marido Daniel Cady e o filho Marcelo, de dez anos, a cantora ofereceu um pequeno show de nonsense. E foi engraçado.

 

O humor, acho, foi involuntário, ainda que o clima da live tenha sido – óbvio – de leveza e alegria. Todas as canções que Ivete cantou foram com playback – ela se referia ao “DJ” como “Mijei” – mostrando que a preocupações com a música e a fidelidade de sua reprodução eram pra lá de secundárias. Com um pijama rosa de bolinhas brancas, a cantora pulou e se portou como se estivesse em cima de um trio elétrico, o que também causou uma involuntária sensação de estar no lugar errado, fazendo a coisa certa ou algo assim. Com Marcelo montado numa girafa de pelúcia, passando em frente às câmeras de um lado para o outro e Daniel apenas cozinhando e dançando no fundo do cenário, o evento ganhou, digamos, uma nova dimensão de interesse, a da comédia pura e simples.

 

Sim, porque, já é engraçado alguém fazendo karaokê – muito em moda atualmente – mas, com o mis-en-scene, o pijama, o filho, o marido e, claro, as inserções comerciais da linha Seara Gourmet e outros, Ivete confirmou o que já se sabe dela há tempos: é uma artista da comédia. Ela tem carisma de sobra, empatia, simpatia, bom humor constante e já mostrou que tem várias histórias engraçadas para contar. Por que não dar a ela um talk show ou algo assim? Tenho absoluta certeza que qualquer aparição dela neste formato seria mais interessante do que sua carreira como cantora, que é protocolar e esvaziada de sentido há tempos.

 

No meio da pandemia de covid-19, Ivete ofereceu um espetáculo digno de imprevisibilidade dos nossos tempos. Estranho, adaptável, deliciosamente sem sentido e capaz de prender a atenção de quem não é admirador de seu ofício principal – eu incluído. Lembro de quando sua carreira de cantora solo – após a Banda Eva – começou e do quanto foi difícil para ela decolar. Já se vão cerca de 20 anos desde então. Até aceito que ela continue cantando de vez em quando, mas que, por favor, entre para o ramo do entretenimento televisivo o quanto antes. Tenho certeza que sua razão de existir como artista está aqui. Eu certamente serei um espectador deste eventual Ivete Recebe ou do Ivete Onze e Meia. Tira o pé do chão, maínha.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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