Kings Of Leon é inevitável?
Kings Of Leon – Can We Please Have Fun?
45′, 12 faixas
(Capitol Records)

Poucas bandas podem soar mais, digamos, antiquadas do que o Kings Of Leon. E com a trajetória mais, vejamos, estranha. E com discos mais, quem sabe, interessantes. É uma narrativa esquisita que a imprensa musical usa para falar sobre o quarteto americano, formado pelos três irmãos Followill (Caleb, Jared e Nathan) e seu primo (Matthew). Vamos resumi-la: começam no início dos anos 2000 como um Strokes mais apunkalhado e temente ao rock sulista americano. Estreiam com um disco promissor, mantém o nível no seguinte e, quando todo mundo pensa que irão aprimorar seu som, eles começam a ensaiar uma guinada rumo a um rock urbanóide à la U2. Esta guinada é bem sucedida e dá à banda acesso a festivais internacionais, fama, fortuna e fãs ao redor do mundo, mas custa a sanidade dos integrantes, especialmente do vocalista, que se entrega às drogas e, algum tempo depois, a banda inicia um processo de tentar retomar as glórias do início da carreira, quando seus integrantes eram supostamente livres, informais e espontâneos. Contei uns três álbuns em que o Kings Of Leon vende sua música com esta justificativa e este nono trabalho a estampa no título. Algo como, “pufavô, vamo se divertir aí, galera?”. Algo como – “pombas deixa essa lenga-lenga de lado”. Temos então “Can We Plase Have Fun” e ele, a exemplo de todos os outros álbuns do grupo, é bom e tem ótimos momentos.
Quando digo que a banda é “antiquada”, me refiro ao fato de que sua sonoridade, seja em qual época, é sempre conservadora. Não há uma inovação, surpresa, algo que indique que os Followill se preocupam com o que fazem. Mesmo a tal mudança rumo ao que seria o som do U2 pós-milênio, ocorrida a partir do álbum “Only By The Night”, não foi lá tão profunda assim, pelo menos em termos estéticos. Ainda era a mesma banda tocando, apenas com alguma preocupação em soar mais urbana, ou melhor, menos vinculada ao início de carreira semi-caipira que os colocou no mapa. Pois bem, este novo álbum não aborrece o ouvinte disposto a encontrar algo interessante em termos de rock mainstream em 2024, mas ainda exibe a despreocupação com alguma mudança, zero inquietação. Mas, por outro lado, assim como todos os outros trabalhos do KOL, mostra a competência dos sujeitos na hora de compor uma boa canção. Há muitos momentos desperdiçados, mas, quando eles acertam a mão, sai coisa boa. E isso, como dissemos, é uma constante.
Com a produção de Kid Harpoon, o sujeito que assinou entre outros álbuns de sucesso nos últimos anos, “Harry’s House”, de Harry Styles, o KOL vem com essa lenga-lenga de busca da paz e da tranquilidade, mas, claro, não deixa de ter o olho no mercado. É o mesmo modus operandi do trabalho anterior, o bom “When You See Yourself”, que trazia Mark Dravs no comando do estúdio e a mesmíssima coisa de “volta às raízes” com um produtor antenadinho. Bem, nada de errado se o resultado justifica e, no caso do KOL, se o interesse é por boas canções, cada disco tem, pelo menos, duas ou três ótimas opções. No caso de “Can We Please …” as canções foram registradas no estado natal do Tennessee, mais precisamente no estúdio dos sujeitos, o Dark Horse Studios. O primeiro single, “Mustang”, tem uma identificação grande com os maiores sucessos da carreira dos sujeitos, a saber, “Use Somebody” e “Sex On Fire”. As guitarras, o arranjo estão lá, mas a letra é sobre sossegar na meia idade, coisas assim. A canção? Competente.
Em meio a esta lógica sonora, mais ou menos constante que parece querer mudar, o KOL segue com potenciais novos sucessos, como “Split Screen” e “Nothing To Do”, ambas sem alterar quase nada do que fazem há anos, mas, como nos outros álbuns, alguns momentos nos mostram que há algo diferente lá, alguma centelha, algo. Aqui, logo de cara, a belíssima “Ballerina Radio”, usa guitarras e efeitos em meio a um baixo pulsante, para construir uma melodia bela que chama a atenção logo de cara. Me lembrou um sucesso antigo dos caras, “Last Mile Home”, do álbum “Mechanical Bull”. E tem algo ainda mais interessante, a canastrona “Ease Me On”, que soa como uma cover de alguma canção obscura do Elvis fase Las Vegas, mas que, sob a ironia/sinceridade, esconde lirismo e belezura. É esse tipo de desconcerto que os irmãos e o primo adoram promover.
“Can We Please Have Fun” é mais um trabalho do Kings Of Leon em que a inegável qualidade da banda é apresentada. Cabe a você, ouvinte, se quer ficar com a competência banalizada na hora de canções “boas” ou com o incômodo trazido pela previsibilidade. Enquanto isso, os caras seguem em frente. E já fazem isso há mais de vinte anos.
Ouça primeiro: “Mustang”, “Ballerina Radio”, “Ease Me On”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.