Kim Gordon – No Home Record

 

Gênero: Rock alternativo, experimental
Faixas: 9
Duração: 39 minutos
Produção: Justin Raisen
Gravadora: Matador

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

Se você está com saudade dos últimos discos que o Sonc Youth lançou nos anos 2000 e fim dos anos 1990, definitivamente, “No Home Record”, a aguardadíssima estreia solo de Kim Gordon, não é pra você. E talvez vá confundir aquele fã do período mais clássico do grupo, que ama “Dirty” ou “Daydream Nation”, os discos que fizeram o Sonic Youth ganhar mais público na aurora dos anos 1990. O que Kim Gordon preservou de sua trajetória com a banda foi a experimentação, a noção de art-rock, algo que, parece, só ela tinha. Enquanto Thruston Moore e Lee Ranaldo eram os homens das guitarras e das dissonâncias mil, Kim era o cérebro preocupado com a modernidade como conceito e isso fica claro nas nove faixas deste ótimo disco.

 

Já é uma enorme prova de astúcia lançar um álbum que exija do ouvinte a sua total atenção. É música complexa, cheia de detalhes e conceitos, que só será compreendida se for apreciada em várias audições. Se o ouvinte estiver disposto a isso, terá diante de si um baita trabalho de avant garde musical, no qual Kim brinca com ideias e conceitos que parecem esgotados – rap, eletrônica, punk – mas que ainda norteiam tudo o que é feito na música popular. Ela imprime sua marca registrada pessoal – os vocais fragmentados e a poesia urbana – que parece mais significativa e solidificada com o passar do tempo, mostrando que, enquanto a sociedade e o planeta vão pras cucuias, críticas igualmente ferozes e extremas são produzidas e necessárias.

 

Veja, por exemplo, “Air Bnb”, a segunda faixa do álbum. Ela é uma crítica terrível e justa à economia informal que se instalou no mundo e que parece sustentar discursos falsos e/ou mal intencionados. Enquanto exércitos de entregadores de serviços delivery são formados como nova ideia de sustentação pessoal, Kim ataca a superficialidade das hospedagens informais, questionando utilidade e a própria natureza das “experiências” que o sistema adora propagar e vender. Em “Paprika Pony”, ela busca as programações de bateria eletrônica para fazer um não-rap, com resultados sensacionais.

 

É legal ver o quanto Kim recorreu à música eletrônica para tornar suas experimentações viáveis. Logo de cara o ouvinte topa com “Sketch Artist”, cheia de programações moderníssimas, mostrando que Kim é artista de seu tempo e domina as linguagens disponíveis. “Cookie Butter” é outro exemplo disso, com baixo e batida sintetizado e sample de percussão/máquina de escrever, que confere um tom concreto e urbano. “Hungry Baby” é uma canção punk por excelência, talvez a que mais lembra o Sonic Youth original, do início dos anos 1980. “Earthquake” é outro momento experimental e lento, doloroso, quase em câmera lenta. E o feixo com “Get Yr Life Back” é aquela avalanche de sussurros sobre guitarras lentas e climáticas, algo que Kim sempre soube fazer muito bem.

 

Kim Gordon mostra o que a gente sempre soube: que tem vida própria longe do Sonic Youth e que era a integrante da banda responsável por um “compromisso” com a visão artística, porém, sem perder a noção de que a música é elemento absolutamente necessário. “No Home Record” é garantia de momentos inquietantes.

Ouça primeiro: “Air Bnb”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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