Kate Hudson inicia carreira musical em disco bacana

 

 

 

 

Kate Hudson – Glorious
43′, 12 faixas
(Virgin)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Quem ouve este “Glorious”, estreia sonora da atriz Kate Hudson, não deve esperar a reinvenção da pólvora ou a descoberta do teletransporte. Pelo contrário, o ouvinte destas doze faixas está querendo algo que tenha a ver com a materialização de algo como a célebre cena do filme “Quase Famosos”, no qual uma jovem Kate, no papel de Penny Laine, canta com sua banda preferida num ônibus, naqueles míticos anos 1970 pós-hippie. Ou seja, um bem azeitado trabalho de rock clássico, sem muitos adornos e quase nada de modernidade. Ok, é um produto que atende a uma demanda específica e sólida e Kate, esperta e sagaz, sabe que pode oferecer exatamente isso. O que diferencia o álbum de um pastiche ou instrumento de pura nostalgia é o alto índice de boas canções, que pipocam por todo o disco, sem falar que, sim, Kate Hudson sabe cantar e bem. Senão vejamos.

 

Kate é filha de Bill Hudson, que teve uma banda de relativo sucesso nos anos 1970, os Hudson Brothers. Mas, como o pai e sua mãe, a atriz Goldie Hawn, separaram-se quando ela ainda era criancinha, foi o padrasto, Kurt Russel, que assumiu esse papel paterno. Quando Kate participou de “Quase Famosos”, em 2002, tal fato meio que a sacramentou como uma figura idealizada pelo imaginário roqueiro americano – a menina lourinha, lindinha, simpática, gente boa. Mas, muito mais que isso, Kate Hudson é uma baita cantora e compositora surpreendente. Ex-esposa de Chris Robinson, dos Black Crowes, ela nunca esteve afastada do meio musical e, enquanto dava pistas em aparições na série “Glee”, em que surgiu cantando aqui e ali, Kate escrevia canções com frequência. Guardava seus rascunhos, tramava sobre o momento certo de assumir oficialmente sua persona cantora e a chegada de “Glorious” é a confirmação de tudo isso. Ou, como ela disse em entrevista ao programa “Sunday Morning”, da CBS: “é o momento em que eu simplesmente não me importo mais com o que as pessoas vão dizer ou pensar”.

 

Quem responde pela parte musical de “Glorious” é a veterana cantora, produtora e compositora Linda Perry, que fez sucesso como vocalista do soporífero, porém eficiente grupo 4 Non Blondes. Além dela, Danny Fujikawa, atual namorido de Kate, também ajudou a confeccionar arranjos, molduras sonoras e desenvolver as letras que ela escreveu. Como dissemos, se o resultado não é original, é bem eficiente e vai direto às expectativas do público a que se destina. Dentro do espectro setentista, no que diz respeito à encruzilhada Heart-Fleetwood Mac, “Glorious” é fluido e bem feito, soando convincente e com a centelha de personalidade/originalidade que faz toda a diferença. Ajuda bastante o fato de Kate realmente saber cantar e suas aparições ao vivo até agora mostram que ela está muito à vontade no palco, algo que fará todo o sentido quando ela iniciar as turnês, que já está confirmado, pelo menos para o mercado americano. Se pensarmos bem, faz todo o sentido ver Kate no palco, cantando esse tipo de canção.

 

E que tipo de canção é esse? Em “Fire”, segunda faixa do álbum, em meio a uma levada totalmente tributária do Fleetwood Mac fase 1977, ela fala sobre a vontade de seguir em frente, a determinação que é necessária, enfim, sobre ter força e determinação. Se essa inspiração no rock californiano setentista padrão FM parece ser um dos caminhos percorridos pelos arranjadores e produtores do álbum, isso se confirma em outra boa canção, “The Nineties”, que também tem cara de sol e céu azul. Em “Live Forever”, um dos singles do álbum, o arranjo incorpora tinturas de country discretíssimas, além de uma melodia perfeita, que dá forma a uma letra escrita para o filho, Ryder, que, aos vinte anos, já está naquela fase de morar sozinho e deixar a família para trás. Kate, mãezona e sentimental, fala sobre esta modalidade particularmente forte de amor e como lidar com ela quando este momento chega. “Talk About Love”, por sua vez, tem tecladinhos e programação eletrônica de bateria que colocam tinturas levemente new wave no produto final, lembrando algo que Sheryl Crow poderia ter gravado em seu disco de estreia, lançado em 1994. Essa mesma tintura new wave está presente em outra canção, “Romeo”, enquanto “Love Ain’t Easy” é mais uma baladona country pop do início dos anos 1980 e “Never Made A Moment” é algo que caberia facilmente no Heart de 1985/86.

 

“Glorious” é um belo disco. Tem boas canções, traz uma boa história e uma ótima cantora-compositora que, de alguma forma, é nossa velha conhecida. Faz todo o sentido ter Kate Hudson na estrada, no palco, cantando essas canções. Uma belezura.

 

 

Ouça primeiro: “Fire”, “The Nineties”, “Live Forever”, “Never Made A Moment”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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