Guilherme Arantes: crônicas amorosas do além-mar
Guilherme Arantes – A Desordem dos Templários
Gênero: Pop
Duração: 50 min.
Faixas: 12
Produção: Guilherme Arantes
Gravadora: Coaxo do Sapo
No dia 28 de julho de 2021, Guilherme Arantes comemorou seu 68º aniversário. Para marcar a data, o cantor e compositor paulistano lançou seu mais novo álbum, “A Desordem dos Templários”, quase totalmente composto e gravado durante a pandemia, sob a influência da presença de Arantes em Ávila, Espanha. O que antes era uma viagem para desopilar a alma e aprofundamento em estágios mais avançados do piano, se transformou numa espécie de exílio permanente por conta do avanço da pandemia. Se Guilherme já se mostrava um artista extremamente crítico e reflexivo nos últimos anos, tal movimento de ida – e ainda não não-volta – se confirmou como fonte de inspiração, agravado por problemas de saúde e pela perda de sua mãe ao longo do período. Sendo assim, “A Desordem dos Templários” surge como uma rara oportunidade de ser um trabalho meio conceitual, meio progressivo, algo que remonta aos primeiros anos da carreira do homem enquanto, ao mesmo tempo, aponta para uma jovialidade e uma dedicação impressionantes ao ofício da música e em seu uso como meio genuíno de expressão.
Não vá pensando, porém, que Guilherme vai repetir coisas como “Raça de Heróis”, que entrou na trilha sonora da novela “Que Rei Sou Eu?”, lá do fim dos anos 1980. A coisa por aqui é muito mais séria e introspectiva, ainda que não seja um trabalho totalmente imerso nessas referências medievais alardeadas pela capa ou por uma interpretação rasa das canções. A ideia por trás de tudo passa pela indignação pela brutalidade do mundo, por uma espécie de resistência através do amor e do romantismo, como terrenos aos quais essa burrice brutal generalizada não parece ser capaz de invadir. Sendo assim, o uso de uma estética de instrumentais dispostos em arranjos com pianos, teclados, sintetizadores, cordas e uma visão luxuriante, própria da exuberância do próprio Guilherme como melodista, se torna algo totalmente coerente, fazendo de “A Desordem…” um genuíno representante de sua discografia, mais maduro, mais sério, menos declaradamente pop, ainda que Guilherme continue incrivelmente fluente na composição de melodias perfeitas. Chega a dar nervoso como tudo o que ele faz é perfeitamente assoviável e belo. após quase 50 anos de carreira.
O charme que “Desordem…” ostenta com orgulho é o molho progressivo. A gente sabe, Guilherme tem origens artísticas no estilo e sempre soube dosar essas tinturas mais clássicas com a fluência pop. O disco é preenchido por vários momentos assim, sendo que a faixa-título, um repente prog com versos em fluxo de consciência, é uma das canções mais legais que ele já fez, com mais de sete minutos e meio de arraso sonoro. A influência hispânica surge em poucos momentos, talvez só no início de “El Rastro”, a faixa de abertura, conduzida por violões e percussões, que se inserem sob o piano dominante. “A Razão Maior” é puro Arantes pop baladeiro ao piano, algo que a gente já ouvir e que nunca irá cansar. Essa modalidade tem variações, como no caso de “Nenhum Sinal do Sol”, que recebe tonalidades mais cinzentas, mas nunca pessimistas, reconhecendo força no passado para seguir em frente. Outro exemplo dessa popeza está nas duas versões de “A Cordilheira”, que, ao receber letra em inglês, ressurge como “Across The Abyss”, mostrando como Guilherme tem a manha universal para ser majestosamente pop.
Há momentos comoventes por aqui, caso explícito de “Estrela-Mãe”, composta para sua mãe, com arranjos de cordas de autoria de Arthur Verocai. A letra fala de gratidão e amor num tom de irreversível perda, uma vez que a homenageada, Dona Hebe, só conseguiu ouvir a versão embrionária da canção. Outra faixa belíssima é o single “Nossa Imensidão A Dois”, a única que já existia antes da viagem para a Espanha e “Toda Aflição do Mundo”, que exibe uma tonalidade bossanovista que lembra de leve “Coisas do Brasil”, tem aquela pinta de faixa de novela global, setor que Guilherme é um mestre absoluto. “Kyrie”, o único instrumental do álbum, talvez seja a faixa mais progressiva e próxima dessa estética barroca que muita gente imagina que o álbum contenha em excesso. Como vemos, é um tempero a mais no saboroso prato sonoro oferecido aqui.
Guilherme Arantes diz que este álbum era algo que ele desejava fazer há muito tempo. Temático, meio progressivo, falando de amor e lutando contra a brutalidade instalada no mundo. Para mim, daqui, numa tarde chuvosa, após algumas audições ininterruptas, parece que ele alcançou seu objetivo. Ouça.
Ouça primeiro: “A Desordem dos Templários”, “A Razão Maior”, “Estrela-Mãe”, “Toda Aflição do Mundo”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.