Gramando o Grammy
O Grammy Awards é aquele tipo de evento que “é bom mas é ruim”. Sabemos de cara que a irritação é certa, que haverá um desfile de números musicais superfaturados visualmente para esconder a pouca relevância. Que haverá homenagens justas, mas mal executadas e que equívocos de todos os tipos serão cometidos. Depois disso, quem sabe, alguns mirrados momentos memoráveis. E são eles que nos fazem ver a coisa. Bem, nem sempre, porque a gente também gosta de cafonice e constrangimento alheio, certo?
Com este 61º Grammy não foi diferente. Houve de tudo, com vantagem de sobra para os maus momentos, mas algumas mensagens poderosas foram dadas ao longo da noite de entrega dos prêmios, ocorrida em Los Angeles, no Staples Center.
Primeiro: a indústria do disco vem se adaptando rapidamente à realidade digital vigente. Mesmo que o Grammy seja um prêmio para quem vende, a música que surge como a mais ouvida, merecedora de lembranças pelos organizadores é a mais rentável. Preocupação com talento, estética, rebuscamento? Não, e nem deveria ser. Deixa isso para os acadêmicos e estudiosos. A consciência desse pessoal está intacta.
Segundo: o rap e o R&B há tempos dão as cartas no pop produzido nos USA. Não há espaço para mais nada, exceto pelo country, que belisca aqui e ali nas grandes cidades, mas que ainda é grande em muitos lugares. Além disso, há um mercado solidificado há décadas para este tipo de música, o que garante a lucratividade dela. Em termos estéticos, o country ainda é um estilo que privilegia estruturas de composição “antigas”, com arranjos e instrumentos tradicionais dando as cartas. No pop, eles já não aparecem, tudo é eletrônico e, infelizmente, quase sempre inócuo.
Terceiro: o rock é só uma nota de rodapé na música feita hoje pela grande indústria. A mentalidade conservadora dos roqueiros é explicitada no prêmio dado à lamentável bandeca Greta Van Fleet, um simulacro mal feito de artistas do passado. Se você quer criatividade, relevância e algo minimamente novo no estilo, precisa ir à Internet.
Quarto: os prêmios para rock e música alternativa (ganho por Beck e seu excelente último disco, “Colors”) nem passam na transmissão do Grammy. Coisa de coadjuvante mesmo.
Quinto: 90% dos artistas presentes à cerimônia eram negros, mulheres, latinos e identificados com pautas progressistas. Eles foram os protagonistas dos melhores momentos da noite. Por essas é que o americano tradicional fica com urticária nessas horas. E nós gostamos.
Abaixo relacionamos os principais prêmios e listamos os bons e maus momentos entre as apresentações musicais da noite. Como já era de se esperar, o constrangimento e o equívoco venceram, mas houve coisa boa também.
Bons momentos
– Camila Cabello cantando “Havana” num cenário sensacional. A moça sabe cantar, tem carisma e está em ascensão. Dispensável a participação de Ricky Martin e do outro sujeito lá, o tal de J.Balvin.
– Janelle Monae emulando Prince numa ótima apresentação de “Make Me Feel”, do seu ótimo último disco, “Dirty Computer”.
– St Vincent e Dua Lipa deram um tom sexy a um medley com “Masseducation” e “One Kiss”.
– Diana Ross foi homenageada por seus 75 anos de idade e mostrou que ainda tem voz e carisma de sobra. Na plateia, o imorrível Berry Gordy (fundador da Motown, primeira gravadora de Diana, ainda com as Supremes) e Valerie Simpson, uma das maiores compositoras do time da Motown.
– Alicia Keys tocando várias canções que gostaria de ter composto, entre elas “Killing Me Softly” (Roberta Flack) e “Clocks” (Coldplay). Ela também foi a responsável pela apresentação do evento e se saiu bem, conferindo uma onda paz e amor à coisa toda.
– O rapper canadense Drake foi o vencedor do prêmio de Melhor Música de Rap, com sua “God’s Plan”. Ao receber o prêmio, entabulou um discurso sobre a importância do artista se identificar com seu público e honrar o compromisso que tem com ele, especialmente com as pessoas que não têm como pagar por shows o tempo todo. Quando ia minimizar a importância de prêmios como o Grammy, foi cortado e levado para os comerciais.
Maus momentos
– RHCP e Post Malone – parceria lamentável e sem sentido, mas que realmente aconteceu em disco – do rapper Post Malone – e trouxe a única banda de rock para o palco do Grammy. Até ali, os RHCP mostraram que são ruins de palco e o vocalista Anthony Kiedis com aparência muito próxima ao personagem Pit Bicha, do humorista cearense Tom Cavalcanti.
– Shawn Mendes e Miley Cyrus – Um dueto desigual, uma vez que Miley é extremamente superior ao insosso Mendes. Nem isso, porém, salvou os dois.
– Kacey Musgrove – cantora country água com açúcar e soporífera. Veio e foi, mesmo levando o prêmio de Álbum do Ano, com “Golden Hour”.
– Dan and Shay – Artistas novos, com padrão The Voice de interpretação, ou seja, vocais gritados como sinônimo de talento, composição esquecível e a certeza da ausência de QUALQUER importância.
– Homenagem à Motown com J.Lo e Smokey subaproveitado – Não dá pra entender quem teve a ideia de homenagear a Motown com Jennifer Lopez – que nada tem a ver com a música feita por lá – quando você tem, no mesmo evento, Smokey Robinson e Diana Ross em boa forma. O resultado foi constrangimento total, equívocos nas danças e uma performance canastrona da cantora novaiorquina, que também não pareceu compreender o que estava fazendo.
– Homenagem a Aretha Franklin: com as inexpressivas cantoras Fantasia, Andra Day e Yolanda Adams executando “(You Make Me Feel Like) A Natural Woman” como quem preenche formulários de abertura de conta-corrente. Sem graça e sem fazer jus à importância de Aretha para a música e para o Grammy, visto que ela foi indicada ao prêmio por mais de 40 vezes ao longo de sua carreira.
– Cardi B venceu o prêmio de Melhor Álbum de Rap com seu “Invasion Of Privacy” mas o que mostrou no palco foi lamentável e monótono.
– H.E.R venceu o prêmio de Melhor Album de R&B deixando para trás o ótimo Leon Bridges e sua apresentação mostrou o quanto os juízes erraram nessa escolha.
– Brandi Carlile é uma dessas cantoras americanas que só fazem sucesso por lá. Veio e foi e ninguém lembra dela.
– Travis Scott com James Blake foram responsáveis por outro constrangimento. Foi dito que eles contariam com a presença do naipe de metais do Earth, Wind And Fire, além do laureado baixista Verdine White e do vocalista Phillip Bailey, todos da excelente banda de funk setentista. Participação deles na canção? Zero.
E aqui vai a lista de prêmios da noite. A destacar a presença de “This Is America”, de Childish Gambino, como a grande vencedora da noite. Foi a primeira vez que um rap ganha o prêmio de Melhor Gravação do Ano, além de outros três troféus.
Álbum do ano: “Golden hour” – Kacey Musgraves
Gravação do ano: “This is America” – Childish Gambino
Melhor canção: “This is America” – Childish Gambino
Melhor artista novo: Dua Lipa
Melhor performance pop de duo ou grupo: Lady Gaga e Bradley Cooper – “Shallow”
Melhor disco de country: “Golden hour” – Kacey Musgraves
Melhor música de rap: “God’s plan” – Drake
Melhor disco de r&b: “Her” – H.E.R.
Melhor disco de rap: “Invasion of privacy” – Cardi B
Melhor Álbum de Música Alternativa: “Colors” – Beck
Melhor Álbum Instrumental Pop: “Steve Gadd Band” – Steve Gadd
Melhor Álbum Folk: “All ashore” – Punch Brothers
Melhor Álbum de Pop Latino: “Sincera” – Claudia Brant
Melhor Clipe: “This is America” – Childish Gambino
Melhor Vídeo Musical Longo: “Quincy” – Quincy Jones, Alan Hicks e Rashida Jones
Melhor Performance Solo de Pop: “Joanne (Where do you think you’re goin’?)” – Lady Gaga
Melhor Álbum Pop Vocal: “Sweetener” – Ariana Grande
Melhor Gravação Dance: “Electricity” – SilkCity e Dua Lipa (com participação de Diplo)
Melhor Performance de Rock: “When bad does good” – Chris Cornell (prêmio póstumo)
Melhor performance rap/falada: “This is America” – Childish Gambino
Melhor Álbum de Rock: “From the fires” – Greta Van Fleet
Melhor Canção de Rock: “Masseduction” – St. Vincent (compositores: Jack Antonoff e Annie Clark)
Produtor do Ano, Não-Clássico: Pharrell Williams
Melhor performance country solo: “Butterflies” — Kacey Musgraves
Melhor música country: “Space cowboy” – Kacey Musgraves
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.