Globo contra Bolsonaro

 

Quem estuda um pouco de História do Brasil ou, pelo menos, é atento aos fatos, já sabe: quando a Rede Globo exibe uma matéria no Jornal Nacional, usando todo o arsenal de táticas e poder de convencimento contra um Presidente da República, é porque acabou o amor. Foi assim com Collor, com Lula, com Dilma. Tentou debilmente com Temer – no caso dos vazamentos da JBS – e, após endossar e apoiar a eleição de Bolsonaro, a emissora carioca levanta fortes suspeitas sobre seu envolvimento e de seus filhos no assassinato da vereadora Mariele Franco e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018.

 

Sempre que tal fato ocorre, me pergunto por que a Globo espera um determinado momento para apresentar a verdade – ou colocar em dúvida a verdade consensual. Sim, porque, quem é jornalista sabe que estes fatos são de conhecimento de editorias e chefias de redação bem antes de irem ao ar. É uma decisão estratégica que é tomada e executada. Claro, toda essa engrenagem é usada também para distorcer a verdade, caso específico das acusações sem provas contra Lula ou na conivência com a exibição dos áudios de Dilma e Lula às vésperas da posse dele como Ministro-Chefe da Casa Civil, que acabou barrada pelo STF. O fato é: a mídia hegemônica tem o poder de apresentar ao público uma versão da verdade que pode às vezes, ser a que corresponde aos fatos. Bem, deveria ser sempre assim, certo?

 

No caso do envolvimento dos Bolsonaros com a milícia fluminense, só quem faz questão de não se informar é que deve ter se surpreendido. Seja Jair ou sua prole, todos defendem veementemente o poder paralelo e têm fotos com um verdadeiro who’s who de figuras notáveis do ramo. No caso específico da morte de Marielle, o principal acusado é o ex-sargento da PM, Ronnie Lessa, vizinho de Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra. O que a Globo mostrou ontem, com toda a parafernália dramática do Jornal Nacional foi a confissão do porteiro do condomínio, que teria recebido a visita de Elcio Queiroz, outro suspeito do assassinato, na tarde do próprio dia 14 de março de 2018, desejando ir até a casa 58, de propriedade de Bolsonaro. O porteiro fez a ligação pelo interfone e alguém atendeu, liberando a passagem de Elcio. Segundo seu relato, a voz era “do seu Jair”.

 

As câmeras do circuito de TV mostram que o carro de Élcio foi até a casa 66, de propriedade de Ronnie, sendo que, na casa 36, mora Carlos Bolsonaro, também vereador e filho de Jair. Ou seja, os Bolsonaros são vizinhos de porta dos principais culpados, defendem a milícia, são inimigos políticos viscerais do partido de Marielle – o PSOL – defendem a tortura, empregam milicianos no gabinete, são acusados de várias falcatruas relacionadas com a milícia, mas NESTE CASO, não têm nada a ver. Ora, por que a Globo esperou tanto para levantar tal suspeita? Informações truncadas na Internet dão conta que o governador do Rio, Wilson Witzel, ex-aliado dos Bolsonaros e eleito porque fez campanha ao lado de Flávio Bolsonaro, teria vazado relatos do processo, que corre em segredo de Justiça. Ou seja, tudo parece ser possível quando há interesses em jogo.

 

Quais seriam estes interesses, uma vez que a Globo apoiou a eleição de Bolsonaro? Uma vez erodida a CLT, vendido o pré-sal, encaminhada a reforma da Previdência, teria Bolsonaro cumprido com as metas impostas pela conjuntura hegemônica do capital transnacional, à qual a Globo e a elite brasileira são tementes. Por conta do caminhão de vergonhas internacionais que Bolsonaro tem passado e feito o país passar, já estaria na hora dele sair e abrir espaço para uma construção de narrativa para “recolocar o Brasil nos eixos”, na qual o processo seja conduzido com segurança por alguém que vai preservar as ações empreendidas por ele. Seria hora de varrer o PSL e toda esta faceta mambembe da direita, que saiu dos armários e ganhou protagonismo.

 

Mas veja: a Globo, apesar de muito poderosa, não tem mais a capacidade de conexão com o público que tinha em outros tempos. Seus números de audiência caem constantemente e o crescimento da população evangélica aponta que emissoras como a Record e mesmo o SBT, têm ganho sistematicamente mais espectadores. A live de Bolsonaro, exibida há algumas horas, direto da Arábia Saudita, mostra um homem totalmente despreparado para a mais básica função. Ele parece, como disse Marcelo D2, um personagem de samba do Bezerra da Silva, uma daquelas pessoas implicadas em contravenções e trapalhadas fatais. O Presidente, destemperado, diz que há problemas na América Latina – Argentina, Chile, Equador e PIRU – e solta um “porra”, após chamar os jornalistas da emissora carioca de patifes e que o jornalismo que ela pratica é podre. A live é patética e poderia ser gravada no bar da esquina, com aquele aposentado que pensa que sabe de tudo.

 

A Globo, conhecida por deter uma dívida de milhões de reais com o governo e erguida com capital estrangeiro quando isso é proibido por lei, merecia ter sua concessão ao menos revista. Se isso acontecer, por conta de um presidente mambembe como é Bolsonaro, terá sido apenas por restrição da liberdade de imprensa via vingança. Neste caso, na briga entre Bolsonaro e Globo, eu torço com dedicação pela própria briga.

 

PS: não custa lembrar que Bolsonaro foi eleito com os votos e com a abstenção de milhões de pessoas. Havia outras opções para o Brasil, que foram deixadas de lado.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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