Gal Costa e seus duetos

 

 

Gal Costa – Nenhuma Dor

Gênero: MPB

Duração: 34 min.
Faixas: 10
Produção: Felipe Pacheco Ventura e demais artistas envolvidos
Gravadora: Biscoito Fino

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Este é o presente de aniversário que Gal Costa dá ao ouvinte quando ela mesma está completando 75 anos de idade. Uma das cantoras mais importantes da história da música nacional, cuja carreira atravessou cinco décadas – até agora – conseguiu ser aprovada no teste do tempo e chega docemente marcada pelo passar dos anos. A voz não é a mesma, mas ainda tem muitos méritos, força e virtudes. A jovialidade na postura, nas escolhas e nas realizações, segue presente e, mais que tudo, o talento só fez crescer ao longo desses anos. Gal e o diretor musical Marcus Preto pensaram neste formato de álbum – com regravações e duetos com cantores homens – por conta de vários fatores. Era uma forma de abreviar o trabalho em estúdio, usando composições que já eram conhecidas e não precisariam de grande tempo de elaboração e finalização. Os duetos foram gravados à distância, digitalmente, com vários dos cantores escolhidos fazendo toda a parte de produção e execução. De fato, isso encurtou os caminhos e deu a “Nenhuma Dor” um conceito bacana, fresco e adequado.

 

É bom que se saiba: nenhuma dessas versões são superiores aos registros originais, mas todas, sem exceção, são muito bem executadas e certamente servirão para apresentar Gal ao público de seus companheiros nas interpretações. O time é estelar e, salvo uma ou outra derrapada, faz muito bonito. As escolhas de canções também foram cheias de bom senso, abrindo espaço para composições de Chico Buarque, Tom Jobim, Milton Nascimento, Luiz Melodia, Dorival Caymmi, restando a Caetano Veloso o papel de absoluto protagonista. Há várias obras do baiano presentes, traço marcante da carreira de Gal, talvez a sua melhor intérprete ao longo do tempo. Várias fases da carreira da cantora são cobertas, mas há uma ênfase nos anos 1970, talvez seu período de maior relevância artística e criativa. Mesmo assim, há um dado curioso: três faixas são pinçadas diretamente de sua estreia em disco, “Domingo”, gravado em 1967, com Caetano.

 

A faixa-título, cantada com Zeca Veloso – filho de Caetano – talvez seja, justamente, a canção menos conhecida do álbum. O original é quase bossa nova em câmera lenta e a dinâmica é mantida aqui, com belo arranjo de cordas. Outra canção do disco, “Coração Vagabundo”, de beleza perene, é dividida com Rubel, mais uma vez em arranjo bossanovístico que traz o original de volta. Se não há ousadia estética, há a grande responsabilidade de igualar um registro tão conhecido e imaculado. A última faixa de “Domingo” é a belíssima “Avarandado”, que tem a participação de Rodrigo Amarante, um dos melhores duetos registrados aqui. A levada é em meio tempo, com violões, percussão, tudo muito belo e aparentemente simples. As cordas estão presentes nos detalhes, nos climas e amarram o arranjo com doçura.

 

Silva, que tem feito álbuns bem abaixo de sua capacidade, aparece muito bem dividindo os vocais de “Só Louco”, uma das canções mais belas já registradas por Gal, composta por Dorival Caymmi, gravada por ela num álbum especialmente dedicado a composições do velho baiano. Criolo também abrilhanta sua participação, “Paula e Bebeto”, parceria original de Caetano Veloso e Milton Nascimento, uma das canções mais conhecidas da MPB setentista. A diferença de tom entre Gal e Criolo é um ponto a favor e o resultado é bem interessante. O mesmo já não dá pra dizer de “Juventude Transviada”, estragada por Seu Jorge. Composta por Luiz Melodia, a interpretação aqui fica abaixo do esperado, muito por culpa das escolhas vocais que ele fez.

 

Brilham intensamente Jorge Drexler, que divide “Negro Amor” e Tim Bernardes, cuja interpretação em “Baby” é de rasgar o peito de emoção. As duas canções são marcas registradas seríssimas da carreira de Gal e recebem aqui duas releituras muito belas e dignas. Certamente, junto com “Avarandado”, são os melhores momentos do álbum. Num terreno mediano estão as duas faixas restantes – “Pois É”, com participação do português Antonio Zambujo e “Meu Bem, Meu Mal”, com Zé Ibarra – que não se destacam muito no resultado final.

 

“Nenhuma Dor” é um disco comemorativo e bem resolvido. É um presente digno de uma carreira tão importante e marca a ótima fase que Gal vive desde, pelo menos, a gravação de “Recanto”, em 2011, quando retomou o pulso criativo e jovem que lhe rendeu os melhores momentos como intérprete. Ouça e escolha seu dueto preferido por aqui.

 

Ouça primeiro: “Baby”, “Avarandado”, “Negro Amor”, “Só Louco”.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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