Fernanda Porto renasce em “Contemporâne@”
Fernanda Porto – Contemporâne@
30′, 11 faixas
(Joia Moderna)
Se você lembra da cantora e compositora paulista Fernanda Porto, certamente é por conta de sua faceta drum’n’bass do início dos anos 2000. Ali, com a chancela do DJ Xerxes, Fernanda surgiu como uma musa de algo que se tornou “drum’n’bossa”, como o nome já diz, uma variação então contemporânea e eletrônica da Bossa Nova. Além dela, o trio carioca BossaCucaNova era o outro representante dessa tendência, também no início da primeira década do século. Fernanda, apesar de talentosa e versátil (além de boa cantora e compositora, ela é pianista virtuosa), saiu de cena na metade daquela década, junto com o arrefecimento do d’n’b e logo tornou-se apenas um nome da memória dos poucos fãs que permaneceram fiéis. Ela levou onze anos – entre 2009 e 2020 – para lançar um disco, o autoral “Corpo Elétrico”, que serviu para ela quebrar o hiato demorado e reposicionar-se no mercado. Agora, dois anos depois, Fernanda volta com um belo trabalho, no qual atua exclusivamente como intérprete e pianista, com um repertório escolhido entre a produção de novos e novíssimos compositores da música brasileira. O resultado é ótimo.
A ideia desse álbum foi do DJ Zé Pedro, dono do selo Joia Moderna, que apresentou o repertório à cantora e, juntos, foram escolhendo e moldando as canções que entrariam no álbum. A ideia de fazer arranjos de piano e voz veio naturalmente, num movimento que, além de enfatizar a beleza da voz de Fernanda e seu talento ao piano, reforça as canções como um todo, mostrando que estamos diante de uma bela safra de compositores jovens. De fato, ela dá espaço para gente como Mahmundi, Mallu Magalhães, Jão, Cesar Lacerda, Chico Chico, entre outros, trazendo as canções destes para o mundo dos arranjos do piano e voz, algo que, apesar de parecer, está longe de ser fácil. Basta uma ouvida nas onze interpretações para termos certeza de que Fernanda segue como uma ótima cantora, capaz de oferecer ao ouvinte um mundo próprio, um terreno em que ela transita com desenvoltura, especialmente porque as composições originais vêm de fontes muito distintas e com arranjos diferentes.
“Olhos Vermelhos”, a faixa que abre o álbum e que se transformou em single e clipe para promoção de “Contemporâne@” é composição de Jão, talvez um dos cantores mais queridos entre o público do pop brasileiro atual. Se o original é uma balada eletroacústica, com violões e teclados, cheia de emoção e derramamento de emoções, Fernanda consegue depurar tudo isso e oferecer o necessário, que é a bela melodia e vocais muito bem posicionados, que dão uma nova profundidade para a letra. Já com “Por Que Você Mora Assim Tão Longe?”, de César Lacerda, gravada originalmente em “Tudo Tudo Tudo Tudo”, seu álbum de 2017, Fernanda vai por um caminho próximo do sutil arranjo de violão, voz e efeitos que César elaborou. A beleza da letra acaba sobressaindo e fazendo todas as conexões necessárias.
Talvez seja com “Livramento” que Fernanda Porto atinja o ápice do álbum. O original, de Bemti, presente no álbum “Logo Ali”, de 2021, é uma canção folk-rock, com um ar luminoso e solar, apesar da letra triste. Fernanda oferece a outra dimensão que a canção pode ter, a da evidente tristeza, ao converter a composição para o ambiente piano/voz. Outro momento impressionante é “Miss Sampa”, de autoria do humorista Paulo Vieira – sim, ele mesmo – cujo original é cantado em dueto com Tulipa Ruiz, registrado em 2019. A letra espelha a história do próprio autor, ele, que veio do Tocantins e despontou no universo do humor em meados dos anos 2010. Fernanda faz o mesmo que faz com o original de Bemti, converte o otimismo do arranjo original para um momento mais reflexivo e belo. E assim ela vai fazendo com outros ótimos momentos do álbum.
“Contemporâne@” é um belo retrato da produção pop nacional e uma ótima atualização da carreira de Fernanda Porto. Ela empresta seu canto livre e claro para dar voz à produção afiadíssima do pop brasileiro, livre do agronegócio e dos demais cartéis midiáticos. Há muito o que ouvir e ver por aí. Fernanda aponta direções e isso é ótimo.
Ouça primeiro: “Miss Sampa”, “Por Que Você Mora Tão Longe”, “Livramento”, “Olhos Vermelhos”.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.