Esperando Tame Impala

 

Segundo as previsões oficiais, no dia 14 de fevereiro deste ano, teremos o lançamento do novo álbum dos australianos do Tame Impala. Na verdade, convém fazer uma correção: a banda é, na verdade, o nome artístico que Kevin Parker utiliza para veicular sua música. Desde o início dos anos 2010, Parker foi um fiel leitor da psicodelia reinventada por gente como Flaming Lips e Animal Collective, na virada do milênio. Muitos já contestaram esta variante colorida e lisérgica atual como uma coisa feita por gente da classe média, no sentido “leite com pera” do termo, como se essa galera não tivesse vivenciado experiências em número suficiente para se arvorar a produzir discos e canções neste setor. Bobagem, né?

 

O triste é que eu mesmo já fui um desses cri-críticos de música, que ficava questionando a legitimidade da obra de um artista tendo como base o binômio tempo/originalidade como única baliza. Não é, apesar de ter importância. Kevin Parker é um cara com estofo suficiente para reivindicar seu espaço entre nomes significativos da música atual, muito pelo fato de que ele é um devoto das grandes tradições, especialmente do rock, mas não tem qualquer pudor em mudar sua direção. Se olharmos pra sua produção como Tame Impala, vamos descobrir que os primeiros discos, “Innerspeaker”, de 2010 e “Lonerism”, de 2012, são muito parecidos e próximos desta releitura psicodélica recente. Já o terceiro, “Currents”, de 2015, é um passo adiante, no sentido de que pega emprestado muita coisa do pop oitentista e mistura com rara sabedoria.

 

Os fãs dos primeiros discos, pelo menos os mais ranhetas, torceram o nariz, achando que Kevin estava maculando um padrão estético, quando, na verdade, ele estava ainda construindo sua forma de expressão musical. Isto ficou totalmente comprovado com os singles que foram lançados no fim de 2019 e já nos primeiros dias de 2020, antecipando a chegada de seu novíssimo disco, “The Slow Rush”. Já em março de 2019, surgiu “Patience”, uma canção que ainda misturava tiques e taques dos formatos anteriores do grupo, mas que já apontava para um ensolarado e agridoce flerte com o pop mais tradicional das décadas de 1970/80. E as canções que vieram em seguida só fizeram confirmar. São elas: “Borderline”, “It Might Be Time”, “Posthumous Forgiveness” e a novíssima “Lost In Yesterday”, que foi lançada anteontem.

 

Todas, cada uma a seu jeito, aponta para este flerte, quase deixando de lado as doideiras coloridas do início e colocando “Currents” quase como um disco de transição. O arranjo de “Borderline”, por exemplo, evoca uma situação em que uma belíssima canção dos Pet Shop Boys seria despida de seus adereços eletrônicos mais latentes e transformada em algo triste, evocativo e digno de sonorizar um passeio numa praia cinzenta. “Lost In Yesterday” parece que tem introdução que vai decalcar algo de Billy Ocean ou uma mistura entre detalhes de “True Blue” e “La Isla Bonita”, ambas criações da Madonna safra 1986/87. Nada é por acaso, acredito eu. Já “Posthumous Forgiveness” é a mais triste de todas, mostrando que Kevin usou um triste fato recente – a morte de seu pai – como uma inspiração decisiva para as canções do disco. O ritmo é lento, a canção é dolorida e baladeira.

 

A faixa restante, “It Might Be Time”, tem ciscos de Fender Rhoads em sua introdução que fazem lembrar “The Logical Song”, do Supertramp. Seu andamento tem algo de Hall And Oates, especialmente de “Kiss On My List”, mostrando que Kevin Parker é um memorialista de mão cheia, se apropriando de referências popescas e dando uma nova cara a elas. Parece muito com o que o Foxygen fez em seu último trabalho, “Seeing Other People”, totalmente voltado para os anos 1980, sem abandonar o tom psicodélico de antanho.

 

Tame Impala/Kevin Parker sinalizaram claramente que vêm com um disco voltado para outro tempo, mas comprometidos com a noção de que estamos em 2020. Como ele mesmo diz na letra de “It Might Be Time”: “nothing lasts forever”. Se tudo der certo, “The Slow Rush” deve disputar na base do tapa um lugar nas listas de melhores de 2020.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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