Dominick – Quarantine Songs
Gênero: Psicodélico, experimental
Duração: 27 min.
Faixas: 9
Produção: Dominick
Gravadora: Independente
Abrir a janela e não saber se é neblina ou poluição, foi assim que Dominick caiu em meu colo. Música não é só áudio, é o transporte. Quarentine Songs, segundo álbum de Dominick, me carregou ao centro de concreto com cheiro de piche fresco e fumaça de cigarro. E isso é genial. Se Boogarins é uma dose de ayahuasca, Dominick, que atualmente vive na Inglaterra, é anfetamina,é droga sintética.
Em nove faixas, o fluxo percorre por inúmeros sentimentos que experienciamos neste período de isolamento. E eu acho sinceramente que as produções deste nosso período têm justamente esse objetivo e qualidade: descrever esse tempo atípico de isolamento, pandemia e necropolítica, entre outras infelicidades. As letras de Quarentine Songs descrevem justamente essa agonia de estar em casa e não saber como será o que vem por aí, sem avisar. Do medo, à tristeza, à apatia e à insegurança. Tudo tá ali, expresso na sonoridade experimental, caseira e com letras que Dominick divide com Leticia Robles Rizzo e Amanda Martins.
É passe-livre para um canto escuro, aquele que cria um certo bolor e tememos arejar, seja por não conseguir solucionar, seja por não querer enxergar. “Fear”, faixa de abertura, é densa, lembrou muito o Pink Floyd de Syd Barrett. É um som estranhamente bom, é urbanóide, empoeirado e dolorido. E eu acho que se vocês estão fazendo o isolamento mesmo, já devem ter questionado a sanidade mental…em algum momento vocês também sentiram angústia, desespero e se perguntaram se estão vivendo ou apenas encenando? Ou ainda, se estão realmente neste plano, se todas essas catástrofes são reais.
Enfim, e assim segue o disco. “Am I moving my head? When I’m talking?”. E eu acho sensacional os versos que deixam uma ampla interpretação como:
“Terra do chá, sem marolar, vendo minha dor no Ebay
Tento arranjar, tento alugar privacidade pra III”
(…)
“Sem palhaçada, sem agourar, não aperto a mão de ninguém
Sem palhaçada, sem agourar, não aceito amor de ninguém”
Ele intercala letras em inglês e português, tem trechos psicodélicos, mas não os da floresta. É o psicodélico enraizado no asfalto e na calçada antiga. E como é lo-fi, com voz soterrada, talvez seja legal pegar as letras pra acompanhar. É uma coisa tipo “peguei vários cheiros, sabores e texturas que não fazem muito sentido, misturei e surgiu algo incrivelmente gostoso, sem definição única, mas gostoso”. Uma grande tigela de tudo aquilo que já sentimos, tudo isso misturado com sonoridades curiosas, não óbvias, não usuais. “The Hanged Man” me pegou com os sintetizadores e esse já é um bom motivo pra vocês surfarem na onda psicodélica entre prédios e vidraças quebradas.
Totalmente feito dentro de um quarto, respeitando o distanciamento social, ou não, pois pode ser apenas o método introspectivo para a criatividade aflorar, o disco tem este mérito: criar a partir do incerto. Quarentine Songs é um exemplo de trabalho denso e lindamente experimental. Vale cada faixa, das que remetem a um Jorge Ben sem malandragem as que voltam ao Beatles e Pink regados a ácido.
“City Calling My Name” inevitavelmente soa Joy Division. Uma poesia pessimista e questionadora envolvida em plástico cinza, roxo e preto. As letras têm um tom melancólico e deprimido, é pra chafurdar nos nossos machucados e incapacidades, um grande mergulho, daqueles em mar revolto em que tememos o afogamento. Ouvi várias vezes o disco e felizmente nada foi gatilho, mas fica a dica para ir com cuidado, pois Quarentine Songs é para quem já tá calejado de vida e entra pra playlist “Invariavelmente vou revirar os fantasmas aqui e ver no que dá”.
Ouça primeiro: “Fear” e “City Is Calling My Name”
Ariana de Oliveira é canhota de esquerda, Cientista Social, estudante de Jornalismo e comunicadora da Rádio Univates FM. Sobre preferências: vai dos clássicos aos alternativos.