Dois alienígenas presos na Terra lançam disco

 

 

 

Pearl And The Oysters – Planet Pearl
37′, 13 faixas
(Stones Throw)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

E ainda há quem reclame do algoritmo. Em algum lugar do ano passado, o Spotify, serviço de streaming que uso frequentemente, me sugeriu conhecer uma canção da dupla Pearl And The Oysters. Ela vinha vinculada a artistas de AOR atuais, gente que faz música hoje tendo como inspiração a produção pop americana do início dos anos 1980, especialmente focada no pop. Ouvi a canção – “Pacific Ave” – e gostei bastante e, não lembro por que motivo, não resenhei o disco que a continha, “Coast 2 Coast”. Este ano não cometi o mesmo erro. O serviço me sugeriu ouvir “Cruise Control”, faixa que está neste novo álbum dos sujeitos, “Planet Pearl” e lá estavam os elementos que me fizeram quase resenhar o disco anterior dos sujeitos: as influências de pop, bossa, música brasileira e AOR, tudo meticulosamente apropriado pela estética da dupla, que é, neste caso, seu maior trunfo. Uma ouvida nas treze canções que compõem este “Planet Pearl” irá revelar um mundo novo, colorido, movimentado e cheio de informações bacanas. E tudo isso ainda vem com um conceito meio maluquinho: e se os autores e intérpretes dessas faixas fossem um casal de alienígenas preso na Terra? E se?

 

A gente explica. Juliette Lewis (não a atriz) e Joachim Polack, franceses, iniciaram sua carreira em meados da década passada, quando se mudaram para os Estados Unidos, com vistas a complementar suas carreiras na Sorbonne para trás. Na bagagem muita inspiração na bossa nova, na psicodelia dos anos 1960, no pop francês sessentista e no pop futurista do passado, ou seja, aquelas composições dos anos 1960/70 que olharam para o futuro com olhos de seu tempo. Não só essa produção, mas também a revisita dela feita nos anos 1990 por gente como Stereolab. O casal primeiro se estabeleceu na Flórida, onde Polack foi obter um doutorado em estudos de música brasileira. Foi o tempo de lançamento do primeiro álbum, “Canned Music”, no qual apresentaram sua versão para este leque de influências. O novo disco, “Flowerland”, lançado em 2021, marca a mudança da dupla para Los Angeles e sua inserção num circuito musical mais abrangente e cheio de outros artistas que faziam sonoridades parecidas. Um deles, Dent May, passou a colaborar bastante com a dupla, além de outro grupo bacana que tem inspiração nessa produção retropop: os australianos dos Parcels.

 

Depois do mencionado “Coast 2 Coast”, lançado ano passado, a dupla praticamente não saiu do estúdio, já engatando a pré-produção deste adorável “Planet Pearl”. Como sempre disseram em entrevistas, o tal conceito do álbum, sobre alienígenas perdidos na Terra gravando um álbum, os dois alegam o fato de sempre se sentirem deslocados, sem assunto e ilhados em meio a um oceano de gente que não entende ou conhece o que citam como inspíração ou o que cantam. A alternativa pela dupla alien me lembrou uma singela e adorável canção de Brian Wilson, “On The Island”, que ele lançou em “No Pier Pressure”, de 2015. Nela, em colaboração com Zooey Deschanel, Brian descreve a estadia de um casal alienígena na Terra, que aproveita o tempo aqui para se divertir, tudo isso em ritmo de bossa nova, com vocais de Zooey. A música do Pearl And The Oysters tem a fase “Love You”, dos Beach Boys, ocorrida na segunda metade dos anos 1970, como um de seus pilares de influências. Nada é por acaso.

 

As canções de “Planet Pearl” são adoráveis, coloridas e encantadoras. Parecem, de certa forma, compostas para algum desenho da Pixar de algum metaverso e essa orientação é uma valorosa maneira de adentrar o trabalho da dupla. Não pense, porém, que as coisas não são sérias por aqui. Joachin e Juliette têm a manha, são ótimos compositores e oferecem um generoso ramalhete de canções maravilhosas. Veja, por exemplo, a influência brasileira exuberante em “Halfway There?” e a melancolia de fim de tarde em “Together, Alone”, que evoca um sem-número de canções e artistas que sorriam tristemente enquanto cantavam belezuras agridoces. Na adorável “Cruise Control”, um dos singles, a lindeza orbita a produção pop perfeita setentista, com andamento e melodia maravilhosos, com ótima perfomance vocal de Juliette. “Ripples” é outra canção falsamente alegre, com um travo de amargura audível em meio a seu arranjo fofo e “Big Time” honra as influências AOR com um riff de teclado que acompanha a melodia até o fim, lembrando um monte de canções que a gente já ouviu alguma vez na vida. Fechando o trabalho, no fim do álbum, “Mid City”, com efeitos vocais adoráveis, é uma canção prima do melhor de gente como Carpenters.

 

“Planet Pearl” é um álbum adorável e altamente encantador. Tem mistérios que são fáceis de desvendar, parecendo que a dupla deseja exatamente isso, que entendamos as entrelinhas e compreendamos o que querem dizer. Funciona e faz sentido. Ouça.

 

 

Ouça primeiro: “Mid City”, “Together, Alone”, “Halfway, There?”, “Cruise Control”, “Ripples”, “Big Time”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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