Diversificar pra não pirar

 

 

Rodrigo Furtado, ou DJ Dagema, é um artista inquieto. Atua em várias frentes, e não cansa de pensar em novas ideias. É, junto aos DJs Doni e Sapucaia, criador do Bailão do Castelo, evento que movimentou a noite carioca com um baile democrático e na rua. Para tudo e para todos. E isso é só um ponto em sua biografia: também reuniu blocos de carnaval em ensaios abertos; produziu festas; viabilizou o acesso à cultura na rua, para quem quisesse chegar; deu aulas e palestras, e por aí vai.

 

Aí veio a pandemia. E o homem transformou-se, mostrando outras facetas daquilo que se tornou sua atividade principal depois de ralar muito no mundo corporativo: o fazer artístico, em todos os sentidos e frentes. À Coluna Coringa, ele fala dessa experiência.

 

 

Coluna Coringa: Como está sua produção artística durante a pandemia?

Rodrigo Furtado: Não tem sido fácil. A pandemia impactou em cheio a área de produção, de cultura e de arte de maneira geral, e um cenário promissor ainda não parece surgir no curto prazo. Em relação à produção artística, nós, que somos artistas, temos o dom de nos reinventar. Como atuo em vários segmentos do fazer artístico – artes plásticas, designer, ilustração, produção de eventos, DJ e VJ -, consigo me manter ativo.

Atualmente estou trabalhando em uma exposição virtual, chamada Cena Carioca. É um projeto meu que foi contemplado pelo edital Cultura Presente nas Redes, da Secretaria Estadual de Cultura. Já está disponível no Instagram, o perfil é @cena_carioca. Criei também o projeto Papo com Dagema, por meio do qual recebo em minhas redes sociais pessoas envolvidas com a cultura e com as artes para o que chamo de um papo-reflexão. Resumindo, durante a pandemia busquei refletir sobre a cultura e arte como um valor essencial para o ser humano.

 

 

CC: Boa! E o emocional? Filho, família, amigos…

RF: O emocional oscila entre bons e maus momentos. Mas com o afrouxamento do isolamento social tem sido possível, com cuidado e segurança, claro, encontrar amigos e familiares. Os primeiros meses foram mais pesados para todos, presumo. Pra mim foi. Tentei controlar o emocional produzindo, refletindo e, como todo artista, me reinventando. A nossa área foi muito impactada.

 

 

CC: Verdade. Fale um pouco de sua trajetória…

RF: Minha trajetória se resume no poema “Todo começo é involuntário”, de Fernando Pessoa. Por não ser de uma família de artistas, neguei por muito tempo a arte como modo de vida ou profissão. Não me dedicava com rigor ao fazer artístico. Trabalhei como chefe de departamento pessoal, analista financeiro, corretor de imóveis, trabalhei com contabilidade e como professor. Quando fiquei desempregado, após 15 anos de emprego formal, resolvi fazer da arte meio de vida, mesmo sabendo da dor e delícia que é, mas a coisa foi acontecendo. Fui chamado para trabalhar na área de Cultura do Sesc, continuei criando eventos e festas em paralelo, juntando artistas, coletivos para encontros no São Quim, bar no Castelo, no Centro do Rio de Janeiro… Ali realizei projetos como o Samba do Castelo, o Bailão do Castelo, o Jazz do Castelo, os ensaios dos blocos de carnaval… Você já tocou lá com seus projetos Celso!

 

 

CC: É mesmo, ensaiei muito lá com o bloco Desliga da Justiça, toquei com uma banda que tive chamada Santo Forte, e também foi onde pude assistir outros artistas bacanas do carnaval e de outras praias musicais, como o El Miraculoso Samba Jazz, cujo nome é autoexplicativo, e Makley Matos, grande artista do samba… São só alguns exemplos…

RF: Pois é! Fomos ficando conhecidos, embora isso não representasse sucesso financeiro, mas sou orgulhoso dos eventos que idealizei, das parcerias e dos amigos que fiz nessa caminhada. Aprendi e ensinei muito! Atualmente, devido à pandemia, meu lado produtor e a minha porção DJ estão um pouco de lado. Tenho me dedicado mais às artes plásticas, outra área em que navego. Acabei de disponibilizar uma exposição virtual, conforme citei anteriormente, que apresenta ilustrações em técnica mista e pintura digital. É um olhar afetivo dessa cidade que me apaixona e envergonha. É um retrato do Rio através de sua gente, em especial os invisíveis, essa gente informal, trabalhadora, colorida que não tem o protagonismo devido. Na Cena Carioca, eles são lembrados.

 

 

CC: Alguma novidade vem por aí?

RF: Ah! Sim! A mente não para de funcionar. Espero que no pós-pandemia possa colocar alguns projetos na rua. Um festival de música chamado Yes, nós temos Jazz, e a Abacaxi Psicodélico, festa com uma abordagem neotropicalista Kitsch… Fiz uma edição dessa festa através do aplicativo Zoom. Os encontros online são uma alternativa, mas nada substitui uma performance artística ao vivo e com público presente fisicamente. A troca de experiência e a catarse são de outra ordem. Outra novidade é que estou estudando psicanálise, num curso de formação no Corpo Freudiano – Escola de Psicanálise do Rio de Janeiro.

 

 

CC: Bacana! E é inevitável, com você, não abordar questão política. Como você enxerga o futuro em médio prazo para as artes em geral com o atual governo?

RF: Infelizmente, parece que estamos vivendo uma distopia. Um retrocesso habita o cenário político atual. Não que estivéssemos no melhor dos mundos, mas nunca vi, em tão pouco tempo, tanta sandice vinda de nossos representantes. Parece haver um triunfo de ignorância e flertes com o totalitarismo. Mas, por outro lado, há frentes progressistas lutando com rigor. Considero que não há solução em médio prazo. A única solução é esperar esse governo passar e continuarmos engajados para que ele não se repita. Denunciando, militando e tentando mudanças em microescalas, criando forças para o enfrentamento de todo esse retrocesso em curso.

 

 

CC: Um recado final para os leitores da coluna?

RF: Espero que a pandemia tenha feito com que as pessoas enxerguem o quanto é essencial o papel da cultura e das artes. A arte faz companhia para muitos, alimenta, acalanta, faz chorar, faz sorrir. São filmes, canções, livros etc. Que esse episódio triste da pandemia lance luz nessas questões, e que enxerguemos os artistas como trabalhadores que merecem remuneração digna, respeito e tratamento adequado à grandeza e importância de suas atividades. Que a arte não seja anestesia e nem alegoria. Espero encontrar

Celso Chagas

Celso Chagas é jornalista, compositor, fundador e vocalista do bloco carioca Desliga da Justiça, onde encarna, ha dez anos, o Coringa. Cria de Madureira, subúrbio carioca, influenciado pelo rock e pela black music, foi desaguar na folia de rua. Fã de poesia concreta e literatura marginal, é autor do EP Coração Vermelho, disponível nas plataformas digitais.

One thought on “Diversificar pra não pirar

  • 24 de setembro de 2020 em 22:25
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    Falou bonito meu irmão!
    Sejamos a mudança que desejamos no mundo!
    Asè o!

    Resposta

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