Cut Copy – Freeze, Melt

 

 

 

Gênero: Eletrônico

Duração: 40 min.
Faixas: 8
Produção: Dan Whitford
Gravadora: Cutters Records

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

Uma das coisas que mais me incomodam na música eletrônica atual – pelo menos naquela do senso comum – é a falta de espaço para pensar e ouvir o silêncio. Parece que é tudo esporro, ferveção, pulação e DJs espetando pendrives na aparelhagem de som. Poucos lembram que há – e tem que haver – espaço para momentos mais contemplativos, provocados pelos sons sintéticos. O próprio Cut Copy já esteve mais afeito a momentos expansivos em outros momentos de sua carreira, mas, neste novíssimo trabalho, a banda dá uma desacelerada e adentra os terrenos sagrados e sutis da ambient music e da eletrônica vintage. O resultado é este belo “Freeze, Melt”, que traz oito composições contemplativas e belas, em que as paisagens do inverno, da cidade moderna, das reflexões de um certo tom existencialista têm lugar certo. Se as imagens são distantes, cinzentas e brancas, o som é uma sucessão de estalactites que se formam no teto do quarto. Vejamos o que é isso.

 

Mais que qualquer outro adjetivo, “Freeze, Melt” merece ser associado ao termo “belo”. As canções não têm pressa para acabar, não explodem em refrões bombásticos, cedem espaço para programações de sintetizadores e computadores que não têm compromisso com a dança ou algo mais dinâmico. Como dissemos, é música eletrônica para ser ouvida e entendida em meio ao contexto. Isso não quer dizer que seja um álbum monótono ou tristonho, pelo contrário. Dan Whitford, o cérebro por trás de tudo, é um cara com sensibilidade suficiente para propor tal ideia de desaceleração, especialmente quando o grupo tem no álbum anterior a esse, “Haiku From Zero”, é, justamente, um trabalho visando pistas, danças e tudo mais, ainda que se mantenha milhões de anos-luz à frente do que é feito para as pistas mais banalizantes de hoje.

 

Há belos truques ao longo das oito faixas do disco. Cada uma é distinta em sua abordagem da calma e da perspectiva. Algumas até esbarram no conceito e oferecem batidas dançantes, caso da ótima “Like Breaking Glass”, que tem programação de bateria bem estruturada num ritmo quebrado, mas que funciona para dançar. Há teclados que caem como gotas pelos cantos do espectro sonoro e o efeito com fones de ouvido é não menos que sensacional. “Cold Water”, a faixa de abertura, é uma pequena sinfonia de timbres frios/congelantes que se fragmentam em cristais sobre os olhos do ouvinte, que pode enxergar detalhes em ambientes enormes, a céu aberto. É trilha para multidões encasacadas que vêm e vão por uma cidade sob o gelo. Ou qualquer outro cenário que você queira associar.

 

“Love Is All We Share”, além de extremamente linda, é uma canção lenta que evoca timbres do 10cc de “I’m Not In Love”, com filtros sobre as vozes e o próprio sintetizador, que despista em belos tons e notas. Em algum ponto surge a voz de Dan com uma letra linda sobre amor e união. “Stop, Horizon” é instrumental, mais ensolarada e poderia ser trilha sonora de um primeiro pouso num planeta verdejante em algum ponto da nossa memória compartilhada de coisas que ainda não aconteram. “Running In The Grass” é outra dessas belezas semi-dançantes, que chegam a lembrar algo do Kraftwerk do início dos anos 1980, com timbres e tons mais intensos aqui e ali, mas que mantém a uniformidade. Também lembra algo que o Depeche Mode poderia ter feito como experiência lá por 1986. “A Perfect Day” também entra nesse campo das “contemplativas-mas-com-movimento”, abrindo espaço para novas programações dinâmicas de bateria/percussão, enquanto “Rain” é outra faixa depecheana, mas que poderia estar como sobra de estúdio do “Violator”, de 1990. “In Transit”, outro instrumental, fecha o disco com solenidade e batidas em câmera lenta, com linhas de baixo preguiçosas no melhor sentido.

 

“Freeze, Melt” não só é um disco de música eletrônica lenta, mas um dos mais belos gravados no estilo nos últimos tempos. É multifacetado, surpreendente e confortável, fornecendo espaço para sua mente voar sem sair do lugar. Ou não. Uma lindeza gelada.

 

Ouça primeiro: “Love Is All We Share”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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