Cumprimentos pela vacina

 

 

Hoje eu tomei a primeira dose da AstraZeneca. Foi rápido e fácil. Passei numa papelaria para imprimir o meu atestado médico (alô, Dra.Aninha, muito, muito obrigado, meu amorzão) e meu comprovante de residência – uma conta de gás. E cheguei ao Clube Central, em Icaraí. Lá esperei dois minutos para ter meus documentos conferidos, entrei e fiz um cadastro com uma funcionária orgulhosíssima por estar participando da imunização em Niterói, Débora. Em mais cinco minutos eu já estava pronto para receber a injeção. Demorou mais dois minutos e eu deixei o lugar com o coração disparado, meio feliz, meio atordoado, totalmente sem noção exata do que havia acontecido. Precisei de mais algum tempo para entender que, sim, eu estava a meio caminho de me imunizar em relação à maioria das variantes da covid-19. Eu, hipertenso, entrei no calendário de comorbidades organizado pela Prefeitura de Niterói, que vem fazendo um trabalho sensacional para vacinar o maior número possível de pessoas em menos tempo. À tarde tive dor no corpo, fruto da reação normal do corpo à vacina, nada demais, serviu até para eu ter certeza de que o medicamento está, de fato, no meu organismo.

 

Por mais que eu esteja feliz e menos tenso, não pude deixar de estranhar o comportamento que veio depois da injeção. Tirei uma selfie no ato, postei nas redes sociais e recebi dezenas, centenas de curtidas e cumprimentos. Gente querida me dando parabéns, me congratulando, como se eu tivesse, sei lá, subido o Everest, andado na Lua ou algo assim. Como se fosse um feito sensacional, algo totalmente fora da curva, extraordinário. E foi.

 

Foi.

 

E isso é muito triste, gente. Vacinar-se contra a covid-19, que já levou a vida de mais de 420 mil brasileiros, é exceção. Há muito menos gente vacinada do que não vacinada. Há muito mais gente em risco do que fora de perigo. Eu nunca imaginei que receberia cumprimentos sinceros, carinhos, bem-querer e tudo que recebi hoje por tomar uma vacina. É um cenário de ficção científica, uma tristeza imensa.

 

Eu sinceramente quis que todos tivessem o que eu tive hoje. Com o mesmo cuidado e atenção que tive no posto do Clube Central. Lá só havia funcionários dedicados e nitidamente felizes por estarem oferecendo à população um pouco de cuidado e carinho. Porque se vacinar é uma prova de carinho, de proteção e, numa instância digamos, mais formal, de eficiência do estado, que existe para isso, para nos representar, nos governar em prol dos nossos interesses e bem estar.

 

Pense: quantas pessoas têm bem estar em relação à covid-19? Quantas pessoas estão em casa, assustadas, desamparadas, certas de que o mundo acabou, aguardando a vacina? Milhões. Por que eu tive este direito e elas não tiveram ainda?

 

Por que precisamos do escalonamento por idade, sexo, comorbidades? Não deveria haver vacina pra todo mundo? À qualquer hora?

 

Claro que deveria.

 

Não tem porque somos governados por pessoas que não têm a menor competência para zelar pela nossa saúde. Gente que está lá para isso mesmo: para nos colocar em risco, gente que entende a sociedade como algo que tem gente demais, a tal ponto que coloca em risco a manutenção dos privilégios para pouquíssimos – todos eles já vacinados, certamente.

 

Pensei em cloroquinas, ivermectinas, nebulizações assassinas com estas duas drogas infelizes, em cada imitação que o ocupante da presidência faz de pessoas com falta de ar. Em cada declaração que ele dá, em cada foto e notícia de que ele sai pelas ruas sem máscara, sem o menor cuidado em proteger a população que ele governa. Pensei no véio da havan na garupa de sua moto, pensei no churrasco que o ocupante promoveu no Palácio da Alvorada neste fim de semana, para celebrar o Dia das Mães. E pensei no meu amigo de Uerj, Nando, que perdeu sua mãe há pouco tempo para a covid-19, e no quão difícil deve ter sido a data para ele. E para todas as famílias que perderam seus entes queridos neste pouco mais de um ano.

 

Não me entendam mal: eu amei os gestos de carinho pela minha vacinação. Mas isso deveria ser normal. No Brasil não é. É exceção.

 

Seguimos em frente, confiando na volta da normalidade. Ela há de voltar.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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