Covid-19 fora do tom

 

 

Henrique Vaz é um músico conhecido no Carnaval carioca. Inspirado e versátil, começou na folia em 2009, tocando trompete com a Banda Copa 7. No ano seguinte, começou a tocar em diversos blocos profissionais, como Orquestra Voadora, Céu na Terra, Exalta Rei, Cordão do Boitatá, Amigos da Onça, Boi Tolo, Desliga da Justiça, Caetano Virado, Vem Cá Minha Flor… São muitos os exemplos.

 

O trompetista também é Licenciado no curso de Filosofia pela Universidade Metodista Bennett, e desde 2010 é Docente em Filosofia para os 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio do Colégio Estadual Antônio Gonçalves, em Coelho da Rocha, no município de São João de Meriti. Também responde pelas oficinas de música da escola.

 

Com uma agenda cheia e pai de Athena, atualmente com um ano e nove meses, teve sua rotina impactada pelo novo coronavírus. Agora, recuperado, conta em entrevista tudo o que passou, bem como seus próximos passos.

 

 

Coluna Coringa: Como você suspeita que contraiu o novo coronavíus?

Henrique Vaz: Eu não tenho ideia de onde contraí a Covid-19. Uma semana após ser decretado estado de quarentena pelo governo do Rio de Janeiro, comecei com os primeiros sintomas de febre baixa, garganta inflamada, muita coriza, muita tosse, os sintomas foram piorando rapidamente de um para outro até que, no sexto dia após o início da febre, comecei a ficar muito cansado, não aguentei estudar meu trompete por 10 minutos. Na noite seguinte comecei a ter muita queimação no tórax e por alguns momentos falta de ar, quando dei entrada na emergência do Largo da Batalha, em Niterói. Lá fui muito bem atendido, e após fizer diversos exames fui liberado e muito bem orientado para retornar para casa. Naquele momento o protocolo de internação era para casos mais graves de insuficiência respiratória. Foram duas semanas seguintes bem tensas aqui em casa, nunca tinha ficado tão mal de saúde, a ponto de não ter forças pra lavar uma louça e muito mal conseguir soprar meu trompete por mais de 10 minutos de estudos.

 

 

CC: Como você estava agindo antes de pegar o vírus? Saía pra tocar? Estava praticando as medidas de proteção?

HV: Uma semana antes do início da quarentena fiz vários shows, dei aulas, saí com minha família, tudo como era de costume. Decretada a quarentena, fui duas vezes ao supermercado aqui próximo de casa. Também fui visitar meus pais, que moram na Baixada Fluminense. Ainda não era obrigatório o uso de máscara e higienização dos alimentos e tudo o vinha de fora pra dentro de casa.

 

 

CC: Como foram os primeiros sintomas?

HV: A princípio, quando comecei com os primeiros sintomas, me automediquei como se fosse um resfriado comum, com inflamação na garganta. Depois de uns dias os sintomas foram ficando mais fortes, então minha esposa entrou em contato com uma amiga médica, que trabalha no SUS e passou a nos orientar. Assim que comecei ter falta de ar, fui orientado a procurar um hospital de atendimento específico pra Covid 19.

 

 

CC: O que isso afetou sua rotina dentro de casa, com uma criança?

HV: Não foi fácil. Minha esposa e filha dormiam em quartos separados… Eu evitava o máximo me aproximar delas… Mas mesmo assim é  muito complicado quando se tem uma filha de um ano e nove meses. Elas não apresentaram nenhum sintoma. Eu e minha família ficamos 20 dias sem descer do apartamento, Isolados.

 

 

CC: Antes da pandemia, quais eram suas atividades artísticas?

HV: Trabalho como professor de música em projeto social, em oficinas de blocos de Carnaval e também como professor de Filosofia. Sou músico e produtor da banda El Miraculoso Samba Jazz, que tinha uma média de quatro shows por semana, quando tocávamos em diversos bares e restaurante do Rio, eventos corporativos, e mantínhamos um evento mensal, ao ar livre, na Praia Vermelha, na Urca. Isso tudo sem contar as ocasiões em que fazia trabalhos como trompetista nos projetos de vários amigos, casamentos, festas, bailes, circos, entre outros.

 

 

CC: E agora que o susto passou?

HV: Sempre valorizei minha família e tudo aquilo que faço profissionalmente, e valorizo mais ainda depois de tudo que aconteceu. Agora, passado toda esse mal estar da doença, tenho me dedicado a aprender trombone. Estou curtindo muito estudar a transição entre os dois instrumentos de sopro. Só Acho que meus vizinhos não curtem muito essa minha nova fase!

 

 

CC: E o Carnaval, vai rolar?

HV: É difícil imaginar o Rio de Janeiro sem o Carnaval, sem os blocos de rua. Ainda não parei pra pensar no futuro. Procuro no momento viver um dia após o outro, sem muitas projeções. Vivendo só o aqui e agora. Talvez isso seja um mecanismo de defesa, para evitar a ansiedade. Sabemos que nossa realidade é muito incerta, ainda mais no nosso país, onde as forças políticas não atuam para dar a população um norte seguro. Acho que o momento é de unir forças pra cuidar de quem precisa de ajuda e, dentro do possível, unir forças pra lutar contra as injustiças sociais. Pensando assim, imagino que de alguma forma irá acontecer o Carnaval, não mais como uma diversão, mais como um grito dos oprimidos pelo sistema. Há alguns anos percebo que essa militância política é cada vez mais forte.

 

 

CC: Um recado?

HV: Para meus amigos e colegas músicos o recado é: se cuidem. No momento não há muito que fazer. Adoro ver e curtir os vídeos dos amigos nas redes sociais, mas é necessário entender que todo o nosso esforço em produzir arte está sendo modificado pela pandemia. Ainda não sei bem ao certo o que restará de positivo em termos profissionais. Mas é necessário que todo esse esforço seja valorizado, não só com curtidas ou visualizações. O caminho ainda é inseguro pra todos nós que trabalhamos com arte. Por ouro lado, fica claro que, em meio a tanta crise, nós seres humanos temos necessidade de consumir arte. Mas a valorização financeira que se dá pra artista de rua, o artista sem grandes produções, é quase nenhuma. Aos amigos e familiares que demostraram solidariedade e ajudaram na minha recuperação, meu muito obrigado!

Enfim, sigamos, com esperança e cuidado. Foi um prazer participar dessa entrevista com meu grande amigo e cantor Celso Chagas, que conheci durante o carnaval em 2010, quando fui convidado pra compor um naipe de sopro no bloco Desliga da Justiça, do qual ele é fundador, cantor e encarna o Coringa do Carnaval carioca. Foi incrível aquele período, o início de uma grande amizade, e sempre nos esbarrávamos em outros lugares durante o Carnaval, trabalhando com outros blocos. No mais, se cuidem todos, o novo coronavírus não foi uma gripezinha pra mim não. Foi tenso, só voltei ao estado físico de 100% apto a tocar depois de nove semanas, após a primeira semana de febre.

 

O colunista agradece a amizade, o talento e o papo, com a certeza de que muitos shows e parcerias ainda virão, dentro e fora do Carnaval, com muita saúde e segurança, claro!

Até a próxima!

Celso Chagas

Celso Chagas é jornalista, compositor, fundador e vocalista do bloco carioca Desliga da Justiça, onde encarna, ha dez anos, o Coringa. Cria de Madureira, subúrbio carioca, influenciado pelo rock e pela black music, foi desaguar na folia de rua. Fã de poesia concreta e literatura marginal, é autor do EP Coração Vermelho, disponível nas plataformas digitais.

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