Conheça o country espacial da Rose City Band
Rose City Band – Sol y Sombra
42′, 10 faixas
(Thrill Jockey)

Ritmo de férias? Recesso? Poucos ou nenhum lançamento musical em janeiro? Se isso existia, já não existe mais. Estamos na terceira semana do ano e já tem uma quantidade considerável de álbuns muito bacanas lançados. Se este ritmo tem se tornado cada vez mais frenético e constante, por outro lado, é possível estar em contato com diferentes artistas e sonoridades. Ou seja: sempre tem alguém, que você nunca ouviu falar, chegando com um novo trabalho sensacional. Claro, também tem muita coisa dispensável – a maioria – mas, proporcionalmente, o número de ótimos discos tem crescido exponencialmente. Atualmente, de posse dos devidos meios de informação, é possível ouvir ótimos álbuns o ano inteiro, ininterruptamente e tal fato acaba por quase inviabilizar a audição de tudo de bom que sai nas plataformas de streaming. Veja, por exemplo, a Rose City Band. Projeto paralelo de um sujeito chamado Ripley Johnson, de Portland, no qual ele resolveu amalgamar informações do country rock setentista de FM (Eagles, Poco) com a psicodelia e a “viajância” do Grateful Dead. Resultado: uma fileira de discos ótimos, culminando no novíssimo “Sol Y Sombra”. Se você gosta desse tipo de som, precisa ouvir imediatamente.
O que se destaca neste álbum é a brincadeira adorável entre timbres de slide guitar que se equilibram entre a estética country e o progressivo, sem que isso faça com que as canções sejam grandes demais. As dez faixas têm duração entre seis e dois minutos e ainda que se inspirem no tal “space-age country”, são dotadas de um inegável e irresistível elemento pop que as torna memoráveis e adoráveis. Tudo aqui tem jeito de passeio matutino num conversível pela Pacific Coast Highway ou pelas imediações do Hotel Califórnia em algum ponto de 1975/76. Em alguns momentos, algumas alucinações “do bem” podem surgir no meio do percurso, mas é algo totalmente normal e aceitável, visto que, por mais que as canções tenham duração “média”, elas não hesitam em oferecer longos solos de slide guitar, ótimas levadas que variam do rápido ao contemplativo e tudo soa harmônico, perfeitinho mesmo.
Os dois momentos mais próximos dessa estética progressiva surgem em “Evergreen”, que tem groove lento, demorado, cheio de pontuações de slide à la David Gilmour e melodia narcótica. E o fecho, “The Walls”, que tem jeito de sol se pondo atrás das montanhas com lindo solo de teclado. O resto do álbum é igualmente maravilhoso. “Lights On The Way”, que abre os trabalhos, tem a levada mais rápida de todas as canções, também conservando mais tonalidades blues’n’country que o restante. Ripley e sua turma têm a manha na hora da composição que é, sempre dizemos aqui, o mais importante. De nada adianta estilo, conceito e postura se não há boas canções. “Open Roads” também é bem country e tem até um apelo levemente dançante, que se traduz na belezura do arranjo e na dinâmica da melodia. “Rolling Gold”, logo após, é mais tranquila e relaxada, mas igualmente comprometida com a sonoridade solar que reina por aqui.
“Sunlight Daze” é a canção mais longa do disco, com quase seis minutos, e, sim, tem o pendor progressivo bem evidente, especialmente na levada e no ritmo, mas ainda conserva a novidade e o frescor necessários. “Radio Song”, como o nome diz, é perfeitinha, redonda e evoca as canções do FM setentista americano, com vocais mais aliciantes que o normal e uma doideira harmoniosa que é mantida sob controle para não deixar o caldo desandar. “Seeds Of Light” agrega uma pitada de Allman Brothers do início dos anos 1970 para a mistura e arremete para um espírito aventureiro à toda prova. O final emenda com a canção seguinte, “La Mesa”, que soa como um complemento instrumental e belíssimo para a canção reafirma que Ripley e sua turma sabem exatamente o que estão fazendo. E tem “Wheels”, que é linda, com órgão subterrâneo e guitarras expressivas, crocantes, lindas, que adornam a melodia e os vocais espaciais que parecem vir de todo o espectro sonoro.
“Sol y Sombra” é um discaço que faz maravilhas com estilos roqueiros pouco ou nada populares entre os modernetes de plantão, soando novo, fresco e pronto para ser amado. Venha nessa, abaixe a capota e sinta o vento.
Ouça primeiro: “Radio Song”, “Wheels”, “Seeds Of Light/La Mesa”, “Evergreen”, “Lights On The Way”, “Sunlight Daze”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.