Bruno Gouveia – É Impossível Esquecer O Que Vivi
Bruno Gouveia, 52 anos, vocalista do Biquini Cavadão, conseguiu uma proeza inesperada: fez o melhor livro sobre uma banda do rock brasileiro dos anos 1980. É simples entender o porquê: com uma descomunal simplicidade, narrando fatos como se conversasse com o leitor e abrindo o coração nos momentos de crise – e não foram poucos – Bruno proporciona a experiência de estar conversando com quem o lê. Logo nas primeiras páginas de seu livro, com título retirado de um verso de “Impossível”, canção do Biquini de 1991, sucesso de seu quarto álbum, “Descivilização”.
Com um início autobiográfico, logo entra em cena o ambiente do Colégio São Vicente, no Rio de Janeiro, no qual ele estudou grande parte da vida escolar e conheceu amigos que terminariam por se tornar companheiros em diferentes encarnações da banda. Bruno consegue equilibrar suas vivências pessoais com as da banda e vai mesclando-as instintivamente, sem nenhum esforço aparente. Suas aventuras contidas de menino tímido de classe média vão justificando os movimentos da banda em seus primórdios, algo que vai se intensificando com o tempo. Generoso, ele sempre lembra de dar crédito e importância aos companheiros de banda, reforçando a impressão que o Biquini sempre passou aos fãs: de ser um grupo unido, de gente que se gostava e tinha afinidades.
Eu mesmo tenho alguns discos do Biquini em casa e gosto da banda. Não entendo como eles perderam o protagonismo alcançado no início dos anos 1990, quando estavam estourados nas rádios com “Vento Ventania”, “Zé Ninguém” e a versão de “Chove Chuva”, de Jorge Ben, que costumávamos cantar nos corredores do décimo andar da Uerj, onde, numa sala daquelas, tínhamos aula com a irmã do guitarrista Carlos Coelho, Maria Claudia. Também lembro de um antológico show da banda no Imperator, no Méier, ao qual fomos, meus amigos e eu, com várias histórias hilárias para contar. Aliás, olhando em retrospectiva, o pessoal do Biquini – Bruno, Sheik, Birita, Coelho e Miguel – poderia ser minha turma de colégio, logo eu, também formado em escola católica com nome de santo, no caso, o Santo Agostinho.
O livro é minucioso ao contar as relações atribuladas do Biquini com as gravadoras, as agruras passadas pela banda em várias tentativas de lançar álbuns que fossem fiéis ao momento que seus integrantes atravessavam, reelatando com detalhes várias passagens e não poupando os departamentos de marketing e criação. Bruno vai contando – e isso é muito importante – como o grupo encontrou no Nordeste um mercado consumidor ávido por sua música e como esta guinada para o interior do país – e a atenção da banda para com estas cidades – a transformou numa grande exceção em termos de artista do rock brasileiro oitentista em tempos bicudos para o estilo no que se entende por mainstream.
Por fim, é de cortar o coração o relato afetuoso, impregnado de verdade que ele faz do acidente que vitimou seu filho, Gabriel, então com três anos, e sua ex-mulher, Fernanda, em 2011. Com espantosa capacidade de descrever um momento tão duro, ele vai contando como tudo ocorreu enquanto ele estava nos Estados Unidos e como seus amigos de banda e familiares conseguiram driblar a imprensa brasileira para que ele só soubesse do ocorrido quando chegasse ao país. Além disso, a narrativa do encontro e relação com a atual esposa, Izabella, e o nascimento da filha dos dois, Letícia, é definido como um renascimento diante da “gravidez às avessas” que foi a perda de Gabriel.
“É Impossível…” é uma obra cativante sem fazer qualquer esforço além de primar pela simplicidade, pela objetividade e pela busca/tradução da verdade, com êxito total. Fãs vão amar, não-fãs vão gostar e o público em geral há de reconhecer o quanto este livro é ótimo. A sensação que ele traz é a vontade de encontrar Bruno e dar-lhe um grande abraço. Parabéns.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.