Bruce Hornsby, Fabian Chacur And The Range

 

 

 

Hoje recebi a notícia da morte de Fabian Chacur. Ele tem alguns textos publicados aqui na Célula Pop, geralmente contrabandeados de seu ótimo site, o Mondo Pop, no qual escrevia com frequência seus artigos e notinhas sobre a produção musical planetária. É uma perda devastadora, não só pela amizade – virtual, de anos – que tínhamos, mas pela partida de um jornalista musical de altíssimo nível. Fabian era veterano, já tinha textos publicados na segunda metade dos anos 1980, na Bizz e na Som Três, revistas que eu lia para me informar e aprender sobre música e jornalismo musical. Ele era, portanto, inspiração e mestre. É interessante quando a gente se torna amigo de alguém assim. Generoso, zero empáfia – como é comum em boa parte de seus contemporâneos de ofício – Fabian era acessível e gente boa. Nunca o vi proferir um palavrão. Palmeirense, alfinetava minhas considerações rubro-negras com uma fleugma invejável, que eu sempre estive muito longe de ter. Ou seja, perdê-lo é, repito, devastador. Resolvi, então, homenageá-lo de alguma forma e pensei que ele viria me cumprimentar – como fazia sempre – se eu escrevesse algo sobre um de seus artistas prediletos – Bruce Hornsby. Aliás, o penúltimo post que Fabian fez em seu site foi sobre o relançamento do álbum “Spirit Trail”, o sexto lançado por ele em 1998 e que está prestes a ganhar uma edição de luxo, comemorando seu jubileu de prata.

 

 

Eu mesmo já fui muito fã de Hornsby, especialmente quando ele surgiu para o estrelato, secundado pelo grupo The Range, em 1986. Seu primeiro álbum, “The Way It Is”, foi um cartão de visitas escrito em letras firmes e sólidas, no qual ele apresentava uma mistura muito eficiente de rock americano (que tem um rótulo interessante, o Heartland Rock) mais clássico com pop radiofônico de seu tempo. Mas não era só isso. Hornsby logo demonstrou ser um pianista muito talentoso, virtuoso, com um DNA jazzístico, que, ao invés de ser domado ou escondido na produção, sob pena de “complicar demais” os arranjos, foi mesmo valorizado. Basta ouvir sua fluência inconfundível na faixa-título, que foi um sucesso mundial e que trazia, ao contrário do que possa parecer, uma letra engajadíssima sobre direitos civis e a desigualdade da sociedade americana nos anos reagan. O álbum ainda trouxe dois outros hits, ambos baladas: “Every Little Kiss” (a minha preferida) e “Mandolin Rain”, que configuraram a sonoridade do grupo, que acabaria levando o Grammy de Melhor Artista Novo em 1987.

 

 

Hornsby sempre teve um admirador no showbiz, o também músico Huey Lewis, que, não só produziu algumas canções do primeiro álbum, como fez campanha em gravadoras para que os sujeito fosse contratado. Aliás, se a RCA levou o passe de Bruce e The Range, foi por conta da panfletagem de Lewis. Não por acaso, ele gravou uma canção do grupo em seu disco “Fore”, de 1986, a bela “Jacob’s Ladder”, que abre o álbum. E foi ela que puxou o segundo disco de Bruce, lançado em 1988, o ótimo “Scenes From The Southside”. A versão de Hornsby fez menos sucesso que a leitura de Huey Lewis And The News, mas deu aquele gostinho familiar no ouvinte, que facilitou a aproximação com o novo trabalho. Além dela, o hit global “The Valley Road”, com uma levadinha adoravelmente safada de bateria eletrônica, que pavimentava a rua para o piano de Bruce, foi carta marcada e voou alto nas paradas, assim como outros sucessos, menores, como “Look Out Any Window”, “I Will Walk With You” e “The Show Goes On”.

 

 

“Scenes From The Southside” vendeu e tocou menos que o álbum de estreia, mas serviu para consolidar o nome de Bruce e seu grupo. Ele, porém, não estava muito satisfeito com este passei pelo mundo da música pop mais mainstream. Seu negócio era mais próximo do jazz ou do rock espacial viajante do Grateful Dead, mitológica banda americana com a qual chegaria a tocar no início dos anos 1990. Esta década viu Bruce derreter a abordagem pop de sua música, presente até o terceiro álbum, “A Night On The Town”, de 1990. Dali em diante ele seguiria solo, lançando trabalhos com menos visibilidade das paradas, mas que satisfizeram e construíram seus parâmetros. Em 1993, o primeiro disco solo, “Harbor Lights”, tinha uma canção que gosto muito, “Fields Of Gray”. Acho que ela tocava em alguma emissora FM alternativa, fato que me levou a comprá-lo na minha histórica viagem pela Costa Leste dos Estados Unidos naquele ano. Dali em diante, só dei atenção a Bruce em momentos esporádicos, como, por exemplo, no lançamento do álbum duplo ao vivo “Here Comes The Noisemakers”, em 2000, quando ele já estava bem distante de sua sonoridade inicial, mas muito, muito afiado e interessante.

 

 

Bruce nunca parou de produzir discos. Colaborou com jazzistas, lançou trabalhos mais instrumentais e foi citado por Justin Vernon, o Bon Iver em pessoa, como uma de suas maiores influências, chegando os dois a colaborarem em 2019. O trabalho mais recente dele é o bom e experimental álbum “Flicted”, de 2022.

 

 

Bem depois disso, fuçando o Spotify em busca de esquisitices e raridades, topei com três discos ao vivo de Bruce Hornsby And The Range, gravados entre 1986 e 1988, provavelmente originados de bootlegs da época. O melhor deles é “Marking Time”, que traz a gravação de um show feito em Daytona Beach, na Flórida, em 1987. Melhor gravado e com a banda em forma exuberante, é diversão garantida e oportunidade para mostrar o talento instrumental do homem, especialmente na versão de treze minutos de “The Way It Is”. Os outros álbuns são “Live: The Way It Is Tour 1986-87” e “Window Display (Live 1988)”, com um pouco menos de qualidade, mas cheios de valor histórico. O segundo é mais interessante porque mostra o repertório de “Scenes From The Southside” executado ao vivo.

 

 

Dei essas dicas para o Fabian assim que as descobri, mas vi que o sujeito era fã enlouquecido a ponto de ter um deles em edição japonesa, que ele dizia ter achado “a preço de banana” nos áureos tempos das incursões em lojas de discos pela vida a fora. Que os pianos celestiais e as melhores canções da juventude toquem permanentemente no plano para onde ele foi. E espero que esteja bem. A gente segue, um pouco mais triste, é verdade.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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