Brian Wilson: um cantinho e um piano

 

Brian Wilson – At My Piano

Gênero: Pop

Duração: 48:10 min.
Faixas: 15
Produção: Darian Sahanaja, Brian Wilson
Gravadora: Decca

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Brian Wilson está com 79 anos e quem conhece sua história sabe o quão miraculoso é este feito. O líder dos Beach Boys divide com Paul McCartney o título de maior gênio da composição popular da segunda metade do século 20. Dono de um senso melódico ímpar, Wilson foi o cérebro pensante de seu grupo até 1967, quando sofreu um colapso nervoso em decorrência de estresse e abuso de substâncias lisérgicas. Ficou fora de ação por muitos anos, conseguindo apenas participar esporadicamente dos álbuns dos Beach Boys vindouros. Foi enganado por terapeutas malucos e maus, sofreu vários problemas familiares e retornou no fim dos anos 1980 com uma carreira solo improvável, que demorou a decolar. Mas, hoje, depois de tanto tempo, Brian segue firme, excursionando com uma banda concebida para reproduzir ao vivo todos os espectros e fases dos Beach Boys. É uma pequena orquestra, muito inteligente, liderada por Darian Sahanaja, que, de fã e líder de sua própria banda – The Wondermints – passou a ser o maestro de Brian e seu principal viabilizador musical. Mas, aqui, neste comovente “At My Piano”, ainda que Darian esteja presente, Brian abre mão de todo o requinte de arranjos e soluções em estúdio para depurar sua obra ao máximo. E consegue.

 

Como o nome já diz, são 15 faixas executadas apenas com o uso de um piano de cauda. E só. Brian não canta, apenas revisita melodias que criou ao longo de quase 60 anos de história. E oferece ao ouvinte uma rara, inédita, oportunidade de compartilhar um momento de absoluta intimidade com este gênio que é Brian Wilson. Ouvir estas versões instrumentais é como estar numa sala com o homem e vê-lo sentar ao piano, já idoso o suficiente para isto ser emocionante e, a partir disso, deixar a própria percepção destas canções fazer o resto. Sim, porque Brian sempre foi um purista dos arranjos, um produtor inspirado na obra de Phil Spector, um cara que exigia os melhores músicos disponíveis para gravar sua obra, além de colaborar com vários letristas ao longo do tempo. Van Dyke Parks, Tony Asher, seus companheiros de banda – Carl Wilson, Al Jardine, Mike Love, Dennis wilson. Daí o espanto de ver o esqueleto destas composições exposto, acessível.

 

Brian escolheu suas obras mais queridas. Há pouca surpresa no tracklist do disco. Passamos pela agridoçura de “In My Room” e “The Warmth Of The Sun”, a caminho do amor derramado e confessional de “Don’t Worry Baby” e por uma das versões musicais do American Dream que os BB’s costumavam fazer – “California Girls”. Daí vem o Brian mais maduro de “Pet Sounds”, representado por “Wouldn’t It Be Nice”, “God Only Knows”, “I Just Wasn’t Made For These Times” e “You Still Believe In Me” e o momento de ruptura com vários parâmetros sonoros daquele 1966/67, que se materializou em “Good Vibrations”. Aliás ouvir a versão pianística desta que foi chamada de “sinfonia adolescente para Deus” em seu tempo, é uma experiência ímpar.

 

Comovente mesmo é ver Brian revisitando “Smile”, o álbum que ele só terminou em 2004. Aqui ele oferece uma releitura tocante de uma das mais belas canções dos Beach Boys, “Surf’s Up”, após um medley chamado “Sketches of Smile”, no qual encapsula momentos do mítico álbum e ruma para o período seguinte, quando ele assinou poucas mas maravilhosas canções, como “Til I Die” e “Friends”, que, se meus ouvidos não me traem, tem um andamento que lembra a “Gymnopédie nº1”, do compositor impressionista francês Erik Satie, em velocidade acelerada. Pode ser uma impressão, mas está lá, por segundos. Fecham a lista a canção-assinatura do homem, “Love And Mercy” e uma curiosa revisita a “Mount Vernon Fairway”, do álbum “Holland”, de 1973, aqui rebatizada “Mount Vernon’s Farewell”. Perguntado sobre esta escolha, Brian declarou: Mike (Love) teve uma casa em Mount Vernon há muito tempo atrás e eu quis dar adeus a uma memória querida do passado.

 

Este disco é um desafio ao nosso tempo. Aqui tudo vai contra o que o mercado e as leis estéticas vigentes preconizam. É como se abrisse um vácuo impenetrável e nele a gente pudesse viver cerca de cinquenta minutos em paz e contemplação dessas melodias. No futuro, século 30, estudiosos tentarão entender a música do século 20 e em seus estudos estará Brian Wilson. Não há como escapar.

 

Ouça primeiro: “Surf’s Up”, “Friends”, “Good Vibrations”, “In My Room”, “Til I Die”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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