Boogarins – Sombrou Dúvida
Gênero: Rock psicodélico
Duração: 41 min
Faixas: 10
Produção: Gordon Zacharias e Benke Ferraz
Gravadora: OAR/Lab 344
Interessante este “Sombrou Dúvida”, quarto disco do quarteto goiano Boogarins. É um trabalho bastante diferente do que a banda vinha fazendo até partir para os Estados Unidos, revelando que a mudança de ares afetou – positivamente – sua sonoridade. Radicada em Austin, Texas, gravando por lá, compondo por lá e vivendo uma realidade de banda on the road constantemente, o grupo hoje é uma formação madura e dotada de personalidade própria em termos de composição. Saem as emulações psicodélicas convencionais do passado recente, entram os traços que compõem uma espécie de “som Boogarins”, em mutação.
O grupo já vinha lançando singles nas plataformas digitais, a saber, “Sombra ou Dúvida”, “Invenção” e “Tardança”, antecipando este movimento e mostrando que as sonoridades pertencentes à palheta musical dos sujeitos estava recebendo novas – e sombrias – cores primordiais. Saem de cena as plantas e os verdes e uma psicodelia urbana, meio torta, ainda em formação, assume os controles. Tudo é sutil, natural, portanto não parece à primeira audição que “Sombrou Dúvida” é uma partida rumo à novidade, mas, sucessivas audições mostrarão os timbres de guitarra, os teclados subterrâneos que estão presentes, construindo uma argamassa que atinge o ouvinte, uma vez que é revelada. Apenas a voz de Dinho segue imutável, algo que, poderia, perfeitamente … mudar um pouco. Seu timbre às vezes joga contra a proposta sonora que parece surgir como novidade.
Um bom exemplo desta estética aparece logo de cara, em “As Chances”. O dedilhado de guitarra constante, o diálogo baixo/bateria e a voz de Dinho – aí colocada a favor do conjunto – soa com efeitos, ecos, abafadores, filtros, dando uma impressão de caos controlado e tenso, com uma melodia bela que surge aos poucos para o ouvinte. Esta mesma ideia vem na faixa-título, logo em seguida, com a diferença que o arranjo permite mais possibilidades e expansões. “Invenção” soa como algo que o Flaming Lips poderia gravar em seu período pré-“Yoshimi Battles The Pink Robots”, com aquela cara de rock alternativo americano, lo-fi e psicodélico, tudo junto e dialogando.
Outras canções, como “Dislexia Ou Transe” e a ótima “Te Quero Longe”, enfatizam que o Boogarins é uma banda com recursos para fazer faixas tão diferentes no mesmo disco, dentro de um mesmo contexto. A primeira é caótica, enguitarrada e enigmática, enquanto a segunda é uma balada acústica, bela e pastoril, com letra apaixonada e perplexa diante das contradições do amor e do sentimento.
A impressão que “Sombrou Dúvida” passa é de que é um trabalho de transição, mostrando músicos em transformação, em direção de algo que está acontecendo agora, espontaneamente em suas vidas. Gentil e generoso, o Boogarins nos deu passaporte para testemunhar o processo, via canções. E a gente vai ficar por aqui.
Ouça primeiro: “Te Quero Longe”.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.