Weezer – 25 Anos da Vitória dos Nerds
Em 1991, eu não estava de saco cheio. Foi quando meu colega de quarto disse: – vem ouvir esse disco aqui. Tinha um bebê pelado na capa, então vieram os acordes que quebraram as correntes que me prendiam. Me juntei com os amigos, ensaiamos e fizemos nosso primeiro show de rock. Daí vimos nossa base de fãs crescendo, assinamos um contrato com uma gravadora pra gravar o nosso próprio disco.
Esse é Rivers Cuomo descrevendo, nos últimos versos de sua canção “Heart Songs”, o início da carreira do Weezer. A música foi gravada no “Red Album”, lançado em 2008, dando sequência a uma tradição de discos cromáticos e homônimos, que, até então, tinha trazido o “Green Album” e o primeiro, que o tempo batizou de “Blue Album”, mas que, naquele ano de 1994, veio ao mundo apenas como “o disco de estreia do Weezer”. Ainda lembro do impacto do lançamento, materializado no clipe sensacional de “Buddy Holly”, um dos primeiros singles, que chegou à MTV Brasil como uma bomba. O que eram aquelas pessoas? Era como se alguém tivesse reanimado aquelas sitcoms americanas do início dos anos 1970, tipo Família Dó-Ré-Mi ou, sei lá, Mary Tyler Moore, e colocado uma música que soava como uma mistura de powerpop dourado com guitarras indie, no sentido Pixies do termo. E, sim, tinha alguma coisa de Nirvana naquilo tudo, mas não na atitude dos sujeitos, que pareciam figurantes de filmes como A Vingança dos Nerds ou Porky’s. Mas não, era o Weezer.
A estreia da banda surgiu como um sopro de novidade naquele 1994. O grunge já havia passado do ponto, Kurt Cobain se matara menos de um mês antes e o rock alternativo americano estava em ebulição. Várias bandas brigavam por um lugar no coração dos fãs e nos elencos das gravadoras, que haviam aberto as portas para qualquer um que chegasse com guitarras levemente distorcidas. Só que o Weezer era diferente: tinha essa linhagem alternativa no sangue, mas também tinha alguma coisa setentista não-identificada, alguma pitada do dinamismo hard rock de gente como Kiss ou Van Halen, vá saber.
A banda surgiu da união entre Rivers Cuomo, Matt Sharp e Patrick Wilson. Como trio, o grupo batalhou por espaço nas noites de Los Angeles, chamando a atenção da Geffen, que lhes ofereceu um contrato. Ric Ocasek, guitarrista e vocalista da simpaticíssima banda The Cars, veio assumir a produção, enquanto um último integrante – o guitarrista Brian Bell – foi incorporado à banda para entrar no estúdio e registrar o primeiro disco. Quando o primeiro single foi lançado, “Undone (The Sweater Song)”, o impacto foi imediato. O clipe, assinado por Spike Jonze, entrou na MTV americana em altíssima rotação, preparando o terreno para o que seria a chegada de “Buddy Holly”, cujo clipe rodou o mundo. Com estes dois acontecimentos, nem precisava o disco ser ótimo. Mas, ora bolas, ele era. E muito.
Além dos dois singles, o “Blue Album” ainda trazia “My Name Is Jonas”, uma doideira sobre o homem que ficou preso dentro da barriga de uma baleia. E ainda havia “Surf Wax America”, uma não-surf song, com bateria bate-estaca gentil e melodia que daria inveja em muita banda cascuda dos anos 1970. “Say It Ain’t So” traz os chacunduns de guitarra e o clima de ‘slow jam’ que o Weezer mostrou ser uma de suas fixações como banda de música. Aqui ainda há a impressão de que todos os músicos estão fortemente chapados. “The World Has Turned And Left Me Here” sintetiza, em seu título, a angústia adolescente a que a banda deu voz, talvez sem querer. O sentimento de desajuste, de descompasso, curiosamente a canção ainda ter significado hoje. E ainda tinha “Holiday”, outro single com ares de anos dourados, que, certamente Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante ouviram à exaustão em algum lugar do Rio de Janeiro.
Outra belezura autorreferente é “In The Garage”, que tem conexão direta com “Heart Songs”, da qual falamos no início do texto. Aqui Cuomo faz seu inventário emocional e físico, traduzido em versos como “I got posters on the wall, my favorite rock Kiss, I got Ace Frehley, I got Peter Criss, in the garage I feel safe, nobody cares about my way”. Este é o sentido disso tudo, por certo. E fechando o disco, a melhor gravação do Weezer até hoje: “Only In Dreams”, uma viagem chapada de quase oito minutos, com letra sobre amor, abandono e dióxido de carbono, mas com comichões de guitarras afetuosos e melodia repetitivamente doce. Quase um milagre.
Para muitos fãs, a banda perdeu o poder de fogo no disco seguinte, “Pinkerton”. Para outros, no disco subsequente a este, “The Green Album”, de 2001. E, para muitos, a banda foi deixando de ser essa espécie de reserva nerd moral, algo que, de fato, perdeu-se no meio do caminho. O que ficou no lugar foi uma banda sólida, com hits ao longo dos anos e boas sacadas comerciais, como o recente “Teal Album”, no qual entregou versões convincentes de vários hits oitentistas. Mesmo assim, com a passagem do tempo inabalável, o Weezer que nos é mais querido, ficou lá, dentro de sua garagem, seguro, a salvo da maturidade, da vida, do dinheiro e da fama. E este primeiro disco é sobre isso. É quase uma cápsula do tempo e deve ser protegido.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Discaço! Na minha primeira banda fazíamos cover de Buddy Holly. Bateu uma nostalgia agora, vou até ouvir de novo.