Pixies no Vivo Rio: Como foi?
Terça-feira, 11 de outubro de 2022: é a primeira vez que os Pixies sobem num palco na cidade do Rio de Janeiro. São 35 anos de atraso, se levarmos em conta o lançamento do primeiro álbum oficial do grupo, “Surfer Rosa”. Mesmo que não nos prendamos apenas aos números, é tempo demais. E esta espera cria sensações interessantes na gente, que está aí há muito tempo, escrevendo e pensando sobre música pop. O Vivo Rio é uma casa de médio porte, situada no Centro do Rio de Janeiro. Estava lotada ontem, 21:30h, quando Frank Black/Black Francis deu o sinal para o início da apresentação. A partir dali, seriam duas horas ininterruptas de demonstrações inequívocas de quanto Pixies é uma banda decisiva para a história do rock latu sensu.
Antes, uma digressãozinha. Dá um certo orgulho inexplicável em ver o Vivo Rio lotado para os Pixies. Por mais que seja uma banda conhecida e veterana, não é exagero pensar que a imprensa alternativa brasileira e carioca tem um enorme quinhão nisso. Desde o início dos anos 1990, com Rio Fanzine e Rock Press à frente, a gente vem falando maravilhas sobre o quarteto de Boston e do quanto ele influenciou o último suspiro de criatividade do rock no mundo, a saber, o rock alternativo americano dos anos 1990. Junto com Sonic Youth e REM (ambas aposentadas), Pixies foi a banda que definiu padrões, provou ser possível aliar peso e loucura sonora com letras surreais e, ainda assim, induzir as pessoas à dança. Porque a grande invenção dos caras oscila entre a oposição súbita entre esporro e silêncio e as maravilhosas linhas de baixo se unindo à bateria num movimento contínuo de pavimentação para que as guitarras – de Francis e do impressionante Joey Santiago – possam flanar.
Ontem ficou muito claro o valor dessas invenções musicais. Ao vivo, com um bom som, a alquimia entre o ótimo e subestimado baterista David Lovering e a baixista-simpatia Paz Lenchantin (substituindo a mãe da criança, Kim Deal) fica ainda mais evidente e forte. Lovering não para, Paz toca a maior parte do tempo voltada para ele, numa apresentação dentro da apresentação da banda. Os dois se entendem por telepatia e fazem milagres sônicos sem qualquer preocupação em rebuscamentos, peripécias e presepadas desta natureza. Aliás, o show dos Pixies é zero fanfarronice. Não tem “boa noite, Rio”, não tem cover de “Garota de Ipanema”, não tem nem “thank you” entre as músicas, que a banda enfileira sem intervalos e sem sair do palco em nenhum momento. É uma porradaria ininterrupta de duas horas. E isso lava a alma da gente.
O show de ontem não teve o bis protocolar, mas teve o maior número de músicas dentre as apresentações regulares que a banda vem fazendo para divulgar o bom novo álbum, “Doggerel”: 38 canções. O novo trabalho fornece quatro números, tocados em sequência, numa espécie de meiuca do show: “Vault Of Heaven”, “Who’s More Sorry Now?”, “The Lord Come Back Today” e “There’s a Moon On”, o single. Em seguida, o ritmo é retomado com uma catártica versão de “Gigantic”, um dos maiores clássicos do grupo, minha preferida pessoal. Aliás, é comovente ver uma apresentação em que uma banda já inicia os trabalhos sacando duas canções monstruosas de seu catálogo: “Gouge Away” e “Wave Of Mutilation”, que já dão a noção exata para o público de onde está, o que está vendo e o que ainda está por vir.
E o que veio foi um massacre: teve “Crackity Jones”, a cover de “Head On” (do Jesus And Mary Chain), a lindeza de “Monkey Gone To Heaven”, “Cecilia Ann” (dos Undertones), “Tame”, “Debaser”, “Hey”, “Here Comes Your Man”, “River Euphrates”, “Velouria” (outra lindeza querida), a versão UK Surf de “Wave Of Mutilation” e o fecho surreal com a hipnótica “Where’s My Mind?” e a cover abençoada para “Winterlong”, de Neil Young, que o grupo registrou no longínquo e definitivo tributo ao canadense, “The Bridge”. Enquanto as canções eram executadas em versões muito próximas aos originais, deu pra entender de forma inequívoca de onde vieram o brilho de bandas subsequentes na história daquele rock guitarreiro americano, de Weezer a Nirvana, todo mundo bebendo avidamente desta mesma fonte.
Ao fim do show, ouvidos zumbindo como se um Airbus estivesse taxiando dentro do cérebro, pensei em como a apresentação do Vivo Rio foi quase um ajuste de contas com a cidade e com a gente, da imprensa alternativa, que ainda insiste em achar que um show assim, uma banda dessas, pode fazer a diferença na vida das pessoas. A felicidade nos rostos grisalhos do público que lotou o espaço ontem dava conta exatamente disso. Parabéns pra nós todos, banda e plateia, se encontrando depois dessa paixão acompanhada e vivida de longe. A gente mereceu.
Setlist:
Gouge Away
Wave of Mutilation
Broken Face
Crackity Jones
Head On (The Jesus and Mary Chain cover)
Isla de Encanta
Monkey Gone to Heaven
Something Against You
Human Crime
Cecilia Ann (The Surftones cover)
Planet of Sound
St. Nazaire
Vault of Heaven
Who’s More Sorry Now?
The Lord Has Come Back Today
There’s a Moon On
Gigantic
Bone Machine
Cactus
I’ve Been Tired
Tame
Debaser
Hey
Caribou
All the Saints
Death Horizon
Here Comes Your Man
Vamos
Nimrod’s Son
The Holiday Song
Motorway to Roswell
I Bleed
River Euphrates
Rock Music
Velouria
Wave of Mutilation (UK Surf)
Where Is My Mind?
Winterlong (Neil Young cover)
Foto: perfil oficial do Instagram
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Foi lindo demais! Saí muito bem de lá. Felizão.
E cheguei junto com a banda. Estava passando sozinho quando uma van encostou, 45 minutos antes do horário marcado pra eles iniciarem. Vi um boné branco através do vidro fumê. Atravessei a rua, parei a uns dez metros e vi quando desceram do veículo e entraram no Vivo Rio. Fiquei admirando a entrada deles. Nem tive reação de gritar um “Hey!” ou pedir uma foto. E acho que foi bom não ter feito nada, só olhar mesmo. Noite inesquecível
Foi foda!!!teve horas que eu não tinha energia suficiente para pular ,e eles emendanvam pedrada em cima de pedrada.É impressionante o quanto Frank Black mantém aquele vocal raivoso nas últimas músicas quando se pensava que ele poderia não ter mais energia pra urrar.
Nem pensei 2 X quando soube que teria um show solo do Pixies no Rio. No festival de SP foram uma hora de show, milhões de pessoas etc. Ve los numa casa de espetáculo pequena com menos gente e com 2 horas de show foi a coisa mais inteligente que fiz nesses últimos 35 anos. Êxtase puro.