Andrio Maquenzi – Contracorrente

 

 

Gênero: Rock alternativo

Duração:  26 min.
Faixas: 10
Produção:
Gravadora: Independente/Tratore

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

Ser sincero consigo mesmo talvez seja um dos maiores e mais importantes exercícios da vida. Quando a gente abre e se abre pro mundo levamos todas nossas caixinhas de experiências, traumas, erros, acertos e sobretudo, a verdade sobre nós. Escutei “Contracorrente” de Andrio Maquenzi, ex-Superguidis, caminhando para casa, depois do trabalho. Tudo nesse disco é cotidiano, às vezes sem graça, às vezes brilhante. Ou brilhantemente sem graça. Quando me deparei com o disco “pensei, 10 faixas, quase 27 minutos: moleza escrever”. Quanta inocência. O pequeno carrega densidade também.

 

Andrio introduz essa lindeza de álbum de uma forma leve, com “Um pedal no vento”. Logo senti a quentura daquele solzinho que quebra a geada com a faixa instrumental que nos coloca mais no ar que na terra, o que é vital nesses dias brutos que vivemos.

 

“Aqui” nos situa no presente,no cotidiano, no pó na estante, naquela terra molhada que fica entre as lajotas da calçada quebrada, no fio puxado do blusão de lã. O ontem sempre vira um fantasma e o presente um desejo.

 

“Não me acorde enquanto eu estiver conversando seriamente com alguns dos meus defeitos”. Talvez esse seja o verso mais lindo que eu tenha ouvido nos últimos dias… o voltar-se a si, o se reconhecer, o tornar-se a sua versão mais autêntica é exercício, e é para poucos. Via de regra nos contentamos com o filtro novo, com a nova medicação para acalmar as angústias, com mais gole daquilo que já nem reconhecemos o gosto, mas que empurra os monstros pra dentro, em um lugar sem sinal. E como queremos conhecer e conversar com os outros se não dialogamos nem com nossos demônios?

 

Não rasgo seda, nem derreto com frase romântica. Mas abro sorriso quando a sinceridade passa na minha frente com seu melhor olhar. “Eu também já fui um babaca completo, hoje eu acredito ser um pouco menos”, a delicadeza e o peso da verdade. Como isso é bom. Esse processo de amadurecimento que tanto falamos pra lá e pra cá remete a tudo isso: enfrentar o cotidiano, o espelho, o trânsito, o tédio, o banheiro. O estar em si e no presente não é tão simples, estamos sempre de olho no outro, na aprovação do outro, na expectativa do outro.

 

Violões e voz suaves, quase como um mantra. Me pegou a favor da corrente. Sem correntes. Me pegou livre. É um álbum que fala sobre o tempo, e talvez por isso seja um álbum pequeno e grande ao mesmo tempo, o tempo é curto. “Curto tempo”, quarta faixa “é questão de tempo curto tempo”, não precisa explicar. Em tudo que é cantado há desapego, liberdade, queda ou voo livre. “Respire fundo, sem bombinha” é o verso de “Desgarrar”. Respire sempre, como puder, mas respire.

 

“Abobadização” é a sexta faixa e é também a realidade. A mediação das conversas, a não necessidade de espaços, do físico, o tempo e o espaço diluídos em trocas virtuais. A realidade de um mundo de lacração, o vivido não importa mais. É o fenômeno atual, de conversas que perdem contextos, do outro que não se vê, da declaração de amor em dois caracteres <3.

 

A ótima “Contracorrente” é mantra sobre o aqui e a “Bolha” mais uma verdade difícil de seguir, entender, engolir. Fases, fases, ciclos e ciclos, e lá estamos nós tentando ser “nós mesmos”e para ser”isso” temos que nos identificar. Enfim, são tantos “eus” em um mundo de ninguém. É a ânsia de forjar a identidade, como se ela fosse única e indissolúvel. Penúltima música “rimas pobres, mas o coração está cheio, só tive vontade de escrever então deixa correr”, como é bom não ter pretensões, o deixar ser, deixar nascer.

 

Sim, vai tudo ficar bem, no final sempre fica. “Vai ficar tudo certo” é a décima faixa, música de esperança. E essa faixa poderia ser um hino de positividade, mas não, ela tem uma jogadinha instrumental que nos faz pensar “ops, não sejamos Polianas neste mundo”. Vocês vão sentir isso.

 

É um álbum que não é pra dançar, é um pop gostoso, bem cantado e tocado. Hey, mas se vocês quiserem dançar, tudo bem. Entra na minha playlist do “vamos pensar nessa vida ou viver no automático?”. Vale a pena, vai por mim. Sobretudo para quem tá começando ou encerrando ciclos, ou não. Às vezes é importante nadar ou afundar contracorrente, o movimento é mais interessante.

 

Ouça primeiro: o disco todo.

 

Ariana de Oliveira

Ariana de Oliveira é canhota de esquerda, Cientista Social, estudante de Jornalismo e comunicadora da Rádio Univates FM. Sobre preferências: vai dos clássicos aos alternativos.

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