A maturidade oportuna do Buffalo Tom
Buffalo Tom – Jump Rope
51′, 14 faixas
(Scrawny Records)

Resenhei o novo disco do Pearl Jam, “Black Matter”, há alguns dias e, mesmo que ele tenha recebido uma nota 4/5, fiz questão de frisar que já estava cansativa a repetição estilística que a banda vinha cometendo há, pelo menos, duas décadas. Daí concluí que estou cansado da maioria dos grupos dos anos 1990 em atividade, justo por conta dessa incapacidade em soarem como se estivessem em 2024. E então vem o Buffalo Tom, uma das mais elegantes e interessantes formações noventistas, lançando um novo álbum que poderia ser o sucessor de “Let Me Come Over”, seu sucesso de 1992, me encantando completamente, justo porque soa como se estivesse lá, no tempo e hora certos. Como explicar essa contradição? Talvez porque o BT seja uma banda com uma carreira mais esparsa – esse é o seu décimo álbum desde 1989 – ou porque o trio de Boston, comandado pelo sensacional Bill Janovitz, seja, antes de tudo, uma banda de rock de guitarras, no sentido REM/punk/Rolling Stones do termo, certamente uma forma sonora mais longeva e criativa que qualquer rescaldo pós-grunge, no qual o Pearl Jam finalmente foi parar depois de tanto tempo. Confesso que ainda preciso refletir sobre como as sonoridades dessa gente atravessou o tempo, mas sendo assim, no mínimo, dá pra fizer que Buffalo Tom é um ser que atravessou com mais graça os anos e chega novo em folha a 2024, com este sensacional “Jump Rope”.
Falando em carreira, é preciso ressaltar que a trajetória do grupo é bastante peculiar, com dois períodos bem nítidos. O primeiro, compreendendo o tempo entre 1989 e 1998, contou com seis álbuns e traz os maiores sucessos do Buffalo Tom, seja na MTV, seja nas trilhas sonoras de séries da época (a presença de “Taillights Fade”, por exemplo, na trilha de “My So-Called Life” é emblemática), seja nos hits radiofônicos lá fora. É o tempo de “Summer” e seu clipe maravilhoso, de “Sodajerk”, de “Red Letter Day”, cuja cópia que eu tenho comprei na velha Hi-Fi do Rio Sul. E depois desses onze anos iniciais, Janovitz e sua turma entraram num hiato que duraria até 2007, quando lançaram o ótimo “Three Easy Pieces”. De lá pra cá, são quatro álbuns. Ou seja, quando o grupo ressurge é porque há algo a ser dito, uma atitude que só faz ganhar mais força em tempos tão mercadológicos e nos quais o artista precisa cumprir prazos e manter-se “criativo”, lançando singles, EPs e tudo mais. Ser econômico e relevante como o Buffalo Tom acaba gerando uma relação totalmente diferente com os fãs, que entendem esse ritmo criativo e retribuem comparecendo aos shows, comprando os álbuns, ou seja, talvez seja algo mais…verdadeiro? Vá saber.
Outro dado importante: desde 1989 o Buffalo Tom é o guitarrista e vocalista Bill Janovitz, o baixista e vocalista Chris Colbourn e o baterista Tom Maginnis. Estes três sujeitos se mantiveram próximos o bastante para achar um relacionamento forte e adaptável o bastante para que a banda permanecesse relevante e criativa. As quatorze faixas de “Jump Rope” comprovam isso e mostram que o grupo permitiu que influências folk viessem somar ao rock enguitarrado que sempre praticaram. Isso fez com que várias canções soassem próximas ao que o REM fazia nos seus últimos álbuns, mas sem qualquer acusação de imitação ou cópia. Como os cabelos brancos que Janovitz, Colbourn e Maginnis ostentam, os timbres de violões e teclados são bem-vindos e soam coerentes em meio ao todo, especialmente porque as canções foram compostas sob a angústia da pandemia da covid-19. Há momentos de absoluta beleza ao longo dessas faixas e dá pra cravar que minha favorita desta atual leva de canções é “In The Summertime”, que tem um fantasma de canção pop do início dos anos 1960 a assombrá-la de muito longe, em meio a uma levada de guitarras que parece citar “Taillights Fade” em vários momentos. Pode ser impressão, pode ser autorreferência, pode não ter nada a ver, mas é lindo.
Outros momentos brilhantes estão no riff bem postado de “Compromised”, que surge em meio a um dedilhado de guitarras que serve para dar forma ao arranjo, enquanto “Helmet”, o primeiro single do álbum, parece conclamar todos a não desistir de alguma coisa, por meio da união e da esperança. Na mesma onda, um pouco mais folk, no sentido REM/Byrds do termo, “New Girl Singing” também apela para o otimismo, com um instrumental que remonta ao que o REM conseguiu em seu célebre álbum “Document”, de 1988. E tem a trinca de ases “Pine For You” (mais uma que poderia estar naquele disco do grupo de Athens), as guitarrinhas em câmera lenta de “Come Closer” (cujos efeitos lembram levemente a sonoridade de “Summer”, lá de 1995) e a ritmada “Little Ghostmaker”, que tem vocais de Chris Colburn e uma levada um pouco mais lenta e tradicional de folk rock, mas com o inegável acento do Buffalo Tom (e lembrando um pouco os conterrâneos do Dinossaur Jr). No fim das contas, a ótima e acústica “You’re On” parece vasculhar os subterrâneos da alma que ainda teima em acreditar na força dos relacionamentos, das coletividades.
Buffalo Tom permaneceu relevante ao longo do tempo não só pela sonoridade preservada, mas pela honestidade com que trata de sua obra. Este disco, assim como os outros nove antes dele, exala simplicidade e desejo de transformar quem canta e quem ouve. É mais como uma proposta íntima de interação, longe das multidões, perto do coração. É coisa rara em tempos como os nossos. Ouçam.
Ouça primeiro: “You’re On”, “In The Summertime”, “Compromised”, “Helmet”, “New Girl Singing”, “Pine For You”, “Come Closer”, “Little Ghostmaker”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.