A live de Caê 78

 

Qual o tamanho de Caetano Veloso na música brasileira? Quem, além de algum contemporâneo seu – especialmente Gilberto Gil, talvez Chico Buarque – tem um currículo de sua estatura? Quem já gravou tantos discos importantes, mudou tanto de pele permanecendo o mesmo, quem já documentou a passagem do tempo, quem tanto teimou em inserir em sua música reflexões que nos acompanham desde a infância? Quem tem tanto carinho pela modernidade a ponto de desejar, quando jovem, regurgitar o produto tropicalista da mistura gringa/brasileira? E quem fez, na marra, tal mistura por todos esses longos-curtos anos de vida e de arte? De quem era aquela voz que emprestava versos de “Qualquer Coisa” no tempo em que a gente tomava ciência do primeiro amor, da primeira decepção, da primeira lágrima que escorre de alegria/tristeza?

 

Caetano é um dos Brasis possíveis – mas difíceis – neste nosso tempo. Um Brasil que entendeu e amou a Bossa Nova a ponto de dissecá-la, pegar seus extratos e misturar com referências nacionais e mundiais, a ponto de reinventá-lo com macunaímas astronautas e acarajés desidratados para consumo no espaço. Um cara que viu um índio-deus-astronauta descendo de uma estrela colorida brilhante, que iluminava a Terra que surgia como foto em seu cárcere de fins de 1968 a inícios de 1969. Aquele menino com destino de nunca ser homem, não, este macaco complexo, de sexequìvoco, um mico-leão (palavras dele de 31 anos atrás).

 

Hoje é o homem velho, o rei dos animais.

 

Caetano é uma companhia constante em minha vida. O descobri com 12, 13 anos, em meio aos discos da casa que me viu nascer. Cresci tendo suas opiniões como pauta. Achei que tudo que vinha escrito nas letras de “O Estrangeiro” e “Fora da Ordem” era a mais absoluta verdade – e era mesmo.  Dediquei suas canções para mim mesmo, quis ser, talvez por morar em Copacabana a maior parte da vida, um Superbacana, superflit, superhist.

 

No dia do seu 78º aniversário, ele, generoso que é, vaidoso que sempre será, se apresenta ao vivo para quem estiver … vivo. Sua música é uma crônica da vida de quem o ouve a sério. Tem “Milagres do Povo”, que era tema de abertura da minissérie “Tenda dos Milagres”, nos idos de 1985. Tem “Trilhos Urbanos” e sua cartografia amorosa, minha preferida de todo o seu repertório. Tem “Sampa”, que é mais cartão postal de uma terra fascinante do que qualquer imagem. Tem Reconvexo”, uma de suas odes à modernidade globalizada que havia chegado em 1990. Tem “Tigresa”, parâmetro de liberdade de mulher desde 1976. Tem o concretismo de “Pulsar”, a carioquice de “Queixa”, o idílio de “Luz do Sol”, a retropicália de “Desde que o samba é samba”, o não-reggae de “Nine Out Of Ten”, a roda de violão imemorial de “Qualquer Coisa”, a surpresa de “Tá Combinado”, a revolta certeira de “Podres Poderes”, tá tudo aí. E tem um pouco mais.

 

Obrigado, Caê. Que desafiemos o tempo e vivamos mais 78 mil anos. Luz.

 

– Milagres do Povo
– Tigresa
– Coisa Acesa
– Pardo – inédita
– Sampa
– Pulsar
– O Homem Velho
– Luz do Sol
– Um Índio
– Cajuina
– Talvez
– Queixa
– Sertão
– Reconvexo
– Nu com a minha música
– Desde que o samba é samba
– Trilhos Urbanos
– Diamante Verdadeiro
– Podres Poderes
– Nine Out Of Ten
– Qualquer Coisa
– Tá Combinado
– Todo Homem
– Odara
– Leãozinho
– Sozinho
– How beautiful could a being be

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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