A inacreditável narração da Band Rio

 

 

Terminou a final do Campeonato Carioca: Fluminense 4 x 1 Flamengo. Vitória mais que justa do Tricolor das Laranjeiras que, apesar de derrotado no primeiro jogo, o que acarretou uma desvantagem de dois gols, massacrou a equipe rubro-negra. De um lado, o time treinado por Fernando Diniz, do outro, Vitor Pereira, técnico português, que conseguiu perder tudo o que disputou pelo Flamengo em 2023 e olhe que ainda estamos em abril. Independente da minha torcida rubro-negra, este texto nada tem a ver com o jogo em si. É, na verdade, um lamento pelo verdadeiro horror que se materializou pela transmissão da Bandeirantes Rio, detentora dos direitos do Campeonato Carioca deste ano. Os envolvidos: Sergio Maurício, na narração e os incríveis comentários dos ex-jogadores Ricardo Rocha, Washington Coração Valente e Athirson.

 

 

O que se viu e ouviu, enquanto o jogo corria, foi uma torrente impressionante de comentários equivocados, sem contexto e sem noção. O narrador Sergio Mauricio, encarregado de informar os fatos ao público, errava os nomes dos jogadores de forma contumaz. E não conseguia esconder a simpatia pelo que acontecia em campo. Claro, não se trata de cobrar imparcialidade de quem está narrando, esta é uma discussão sem fim e sem sentido nesta altura do Campeonato (literalmente). Mas o cara exagerou. O pior estava nos comentários dos “especialistas”. A ideia era colocar um comentarista mais sintonizado com o Flamengo (Athirson, ex-lateral esquerdo do time, mas jamais identificado totalmente com o clube, visto que jogou no Cruzeiro e no Botafogo) e outro com o Fluminense (Ricardo Rocha, que, além de ex-jogador do clube, vagou por várias equipes – entre elas, o Flamengo, sem qualquer brilho – e defendeu a Seleção Brasileira em 1994. Além deles, um dos símbolos da história recente do Fluminense, Washington, o “Coração Valente”, artilheiro pelo clube no fim dos anos 2000.

 

 

Tudo bem, é a tendência do mercado a adoção de ex-jogadores na função de comentaristas. É algo que vem de fora e que funciona, desde que haja o bom senso de escolher profissionais que estudem, que trabalhem e que entendam do assunto. Ter jogado não significa, necessariamente, entender do jogo, mas parece determinar uma brodagem nociva que blinda qualquer técnico ex-jogador de críticas mais sérias e desenvolvidas. A cada dia que passa a gente tem esta certeza cristalizada. São raríssimas as exceções de um ex-jogador que realmente consiga ser um bom comentarista. O melhor deles, Tostão, é um homem recluso e que atua escrevendo, não comentando pela TV. Fora ele, não consigo lembrar de nenhum destes senhores que seja capaz de entender de tática e de realidade em termos de futebol. Atualmente então, é necessário ter um conhecimento, digamos, extra-campo, que leva à certeza de que o futebol brasileiro está atrasado cerca de duas décadas em relação ao que é praticado lá fora.

 

 

É triste defender este postulado vendo um técnico português sendo massacrado (e provavelmente demitido) em campo. Mas o que fez o trio de comentaristas – com a anuência e participação do narrador – sobre conceitos de futebol foi inacreditável. Fora o óbvio – que o Flamengo não tinha padrão tático, batendo, como se diz, em cachorro morto – os três desfilaram elogios a treinadores brasileiros – ex-companheiros de campo – como sendo injustiçados atualmente. Ou seja, a velha xenofobia treinadora, defendendo gente como Renato Gaúcho e o próprio Fernando Diniz (que estava, após muito tempo de carreira, vencendo o seu primeiro título com a vitória sobre o Flamengo).

 

 

– Temos que fazer justiça aos treinadores brasileiros – disse um

 

– Diniz tem que assumir a seleção – disse outro

 

– Renato Gaucho mandou avisar que o Grêmio (que chegou a perder para o time do Ipiranga, no Campeonato Gaucho) está no mesmo patamar de Flamengo e Palmeiras – disse mais um.

 

– Renato Gaúcho, aliás, tem condições de assumir a Seleção Brasileira – cravou o mesmo.

 

– Marcelo é o maior jogador em atividade no futebol brasileiro – vaticinou um.

 

– Não é porque são estrangeiros que o técnico é melhor que o brasileiro – cravou outro

 

– Temos que incentivar os nossos treinadores, tem muita gente boa – finalizou alguém.

 

– Eu quero assinar embaixo do Diniz na seleção – sentenciou o narrador.

 

 

Já se vão 21 anos da vitória na Copa de 2002. Amargamos eliminações vergonhosas nas últimas três competições da Fifa, duas com o mesmo treinador, que, curiosamente, é um dos cotados para assumir o Flamengo. A diretoria do time rubro-negro, responsável direta pelo fracasso do treinador Vitor Pereira, não foi mencionada pelos comentaristas. O futebol evoluiu de forma inegável, é impossível para uma equipe brasileira ter meios para ser competitiva sem algum tipo de intercâmbio com profissionais estrangeiros. Claro, nem todo estrangeiro é, automaticamente detentor de todo o tipo de conhecimento sobre o esporte, porém, do jeito que falaram, parece que o técnico português é o único responsável pela derrocada do Flamengo e que Diniz, que está no Fluminense desde abril do ano passado, e já teve tempo para impor seu padrão tático no time, é um sábio incontestável. Vitor Pereira, por pior que tenha sido, só teve três meses para isso. Do jeito que falaram o profissional do Flamengo parece um verdadeiro agente do desastre. Repito: concordo que seu ciclo de trabalho já chegou ao fim, não há ambiente para continuidade, porém, a culpa não é só de VP, mas dos diretores que o contrataram e dos jogadores. Todos têm culpa.

 

 

A análise da Band Rio é imediatista e mal feita. O futebol é algo mais profundo e que merece um olhar um pouco mais detalhado. Com profissionais do nível que a emissora escalou, ela trata seu espectador como idiota. E não é novidade, visto que a Band tem atrações péssimas há bastante tempo. Dá saudade dos tempos de Luciano do Vale e companhia.

 

 

Em tempo: Sergio Mauricio se referiu a torcedores do Flamengo como “duros e favelados” em um áudio colhido durante a narração do GP da Catalunha do ano passado.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

3 thoughts on “A inacreditável narração da Band Rio

  • 11 de abril de 2023 em 10:04
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    Derrotas fazem parte de todo esporte, e o esporte é cíclico, hoje se perde de 4 e amanhã se ganha. Isso como na vida.
    Infelizmente, o teor da crítica do colega tricolor, não condiz com o que o texto do autor se refere. Falta entendimento para interpretar um texto? Não sei ! Sei que de fato os comentários e o narrador são bem ruins, assim como a maioria que hoje habitam cabines de transmissão. Além do mais somos parciais, isso é impossível negar, logo, se percebe que o colega que tentou refutar o texto do CEL, pessoalmente empolgado com a vitória merecida de seu time, assim o é. Dito isso não estou nem aí para a vitória do Flu e derrota do Fla. Afinal sou assalariado e ralo demais para sobreviver nessa bela cidade do Rio de Janeiro.

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  • 10 de abril de 2023 em 11:29
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    Certeiro!

    A dita “imprensa especializada” brasileira é sofrível, e não digo só da Band, mas também nas demais TVs abertas, e mesmo no rádio… O nível piorou muito!

    Temos exceções, gente inteligente como Juca Kfouri e José Trajano, que não subestima a inteligência do torcedor, nem cede a pressões clubísticas… Mas, são raros!

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  • 10 de abril de 2023 em 10:18
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    Concordo com boa parte das opiniões, mas muito do que foi criticado já aconteceu, e muito, quando os times são Flamengo e Corinthians. Daí os comentaristas são desqualificados, por serem Fluminense demais, ou jogaram no Flamengo, mas sem destaque. Entendo o peso da derrota, o lado do torcedor, mas sempre é bom equilibrío, porque o que vale para um, deveria valer para os outros, né?

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