Bruce Springsteen, 71 anos: 13 + 1 canções
Quem inventou essa coisa de fazer listas com apenas treze canções? Sim, eu mesmo. A ideia é simples, mas árdua: trazer uma discografia monstruosamente extensa e condensá-la em treze canções, tentando explicar como isso é possível. No caso de Bruce Springsteen, um dos meus heróis, é ainda mais complicado, tanto que não consegui e peço licença para colocar uma … faixa-bônus em algum lugar do percurso.
Bruce faz 71 anos hoje e seu show de 2013, no Rock In Rio, é o mais intenso e sensacional que vi em minha vida. E olha que estive diante de verdadeiros espetáculos ao longo destes 50 anos. Emocional, verdadeiro, talvez ele seja a personificação de tudo que é bom nos Estados Unidos, numa figura que, ao mesmo tempo, deixe tudo de péssimo de lado. Já escrevi muito sobre ele, não me canso. Agora mesmo, Bruce anunciou que chega com novo disco no mês que vem e já soltou single, que você já deve ter ouvido. De qualquer maneira, para celebrar a data, aqui vai um esforço hercúleo de minha parte, suas 13 + 1 canções para se ter, se guardar, se ouvir. Aqui estão o Bruce amigo, o Bruce pai, o Bruce marido, o Bruce velho, o Bruce novo, o Bruce contador de histórias e o Bruce cronista do cotidiano. Escolha o seu preferido e vá conversar com ele. Não falha.
– Lonesome Day (2002) – Faixa belíssima de “The Rising”, disco com o qual Bruce adentrou o século 21 e já precisou exorcizar o impacto do 11 de setembro, ocorrido no ano anterior. O instrumental é belíssimo, o tom é de força após o golpe e disposição para engajar-se novamente pelo público, pelo rock e pelo seu legado.
– The Ghost Of Tom Joad (1995, versão ao vivo, 2014) – Faixa título de seu disco acústico de 1995, escrita sobre o personagem do livro “As Vinhas da Ira”, de John Steinbeck. A música recebeu uma cover do Rage Against The Machine em 2002 e ressurge aqui, com a participação especial de Tom Morello, cuja guitarra incandescente transforma tudo. Esta gravação está no álbum “High Hopes”, de 2014.
– Jungleland (1975) – Um épico do meio dos anos 1970, contido no final de “Born To Run”, terceiro disco do Boss. Em quase dez minutos de duração, Bruce vai contando a história de Magic Rat e sua namorada descalça em meio a uma Nova York noturna, de sombras e memórias. O talento de contador de histórias do homem já vinha desde muito cedo. Detalhe: aqui está um dos mais belos solos de saxofone de Clarence “Big Man” Clemons.
– The River (1980) – Faixa-título do álbum duplo que coroa a década de 1970 de Bruce, abrindo espaços para ele brilhar nos dez anos seguintes. Aqui “o rio” é uma metáfora da própria vida, figura que o Boss costuma usar com certa frequência. Aqui, o fluxo de água é como um despertar da inocência para a realidade da vida como ela é. Uma porrada na cara de muita gente.
– Badlands (1978) – Canção que abre o “Darkness On The Edge Of Town”, o quarto disco do Boss. Tem um riff de piano que lembra vagamente “Don’t Let Me Be Misunderstood”, mas é uma canção de rock, com guitarras e fúria e mostra o drama e intensidade de Bruce nos vocais. É um clássico de seus shows.
– Glory Days (1984) – Faixa de “Born In The USA” que traz uma história contada por Bruce sobre um personagem fictício que teria sido um jogador de baseball e que encontra o Boss e começa a contar sua vida. A pegada da E Street Band na gravação é sensacional, com riff de órgão inesquecível.
– Promised Land (1978) – Faixa mais bela de “Darkness On The Edge Of Town”, um pequeno épico, que traz a redenção de um jovem enquanto percebe que se torna um adulto. A imagem bíblica da “terra prometida” surge aqui como um objetivo de vida, como algo a ser alcançado pelos que fazem jus. A melodia é bela e há bela participação de Danny Federici, o organista da E Street Band.
– Born To Run (1975) – Canção-título da obra prima de Bruce Springsteen, outro épico de curta duração, mas que sintetiza o conceito do disco, o de deixar uma cidade em que nada irá acontecer e partir em busca de uma versão tangível do tal “sonho americano” que, segundo a visão de Bruce, está ali, à disposição de todos que se mexerem. A gravação é um pequeno show da E Street Band, especialmente de Roy Bittan, no piano.
– Dancing In The Dark (1984) – Um clássico oitentista do Boss, que fala de transformação, mudança e aceitação de podemos ser quem quisermos. É impossível não lembrar do clipe em que Bruce leva uma Courtney Cox adolescente para dançar com ele no palco, enquanto Clarence Clemons termina outro de seus belíssimos solos.
– Hungry Heart (1980) – Outra faixa de “The River”, mais um acerto no alvo dos tecladeiros Roy Bittan e Danny Federeci. A letra fala de um cara que vai comprar um maço de cigarros e sai em busca de seu amor, enfrentando desilusões e constatando que ninguém quer viver sozinho. É uma das canções mais belas e pop de Bruce, uma de suas mais queridas do público.
– Brilliant Disguise (1987) – Canção dilacerante do álbum “Tunnel Of Love”, no qual Bruce exorciza seu casamento com a modelo Julianne Phillips, de quem se separaria no ano seguinte. A letra é um jogo de palavras com a dúvida sobre quem usa um “disfarce brilhante”, ele, quando finge ainda amá-la ou a esposa, com a qual ele se decepciona diariamente. Mais um dos clássicos do Boss.
– Bobby Jean (1984) – Outra faixa de “Born In The USA”, é uma história sobre amizade e saudade, tendo no personagem do título um amigo de longa data que vai embora. Muito se comenta que o personagem da canção é o guitarrista Steve Van Zandt, que deixava a banda na época – ele retornaria depois. É outra faixa que termina com um solo belíssimo de saxofone de Clarence Clemons, enquanto o público acena as mãos em despedida. Emocionante.
– Thunder Road (1975) – A história definitiva da vida de Bruce enquanto jovem, louco para viver seus amores, sair de sua cidade e ganhar o mundo. Com título inspirado em um filme estrelado pelo ator Robert Mitchum, ele vai descrevendo seu cotidiano, povoando com imagens impressionantes a vida que lhe entrava pelos poros. Um épico superlativo e que Bob Dylan ficaria orgulhoso em assinar.
– Tenth Avenue Freeze Out (1975, versão ao vivo 2000) – Se “Thunder Road” é a história da vida de Bruce enquanto jovem, “Tenth Avenue Freeze Out” é a narrativa de como a E Street Band se formou. Em levada que deve muito ao r&b mais familiar e sensacional, Bruce vai narrando como a banda surgiu e dá especial atenção à chegada de Clarence Clemons ao grupo, o próprio Big Man. A interpretação que ele dá em 2000, por conta da volta da banda após um longo período distante, é, diria eu, terapêutica. Está no álbum Live In New York City, que também é DVD e documentário da HBO. A versão da canção ultrapassa os quinze minutos, com várias músicas incidentais, discursos e uma pajelança rocker. Depois da morte de Clarence, em 2011, “Tenth Avenue Freeze Out” ressurge nos shows como um momento de homenagem.

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Bruce é simplesmente todo maravilhoso!