O primeiro disco do TNT

 

 

Como já dissemos aqui anteriormente, depois do rock carioca, paulista e brasiliense, a indústria musical brasileira dos anos 1980 se voltou para o distante Rio Grande do Sul. Mesmo fiel a uma tradição identitária relativamente própria em relação ao resto do país, àquela altura da década, o Sul, mais precisamente, Porto Alegre, também pululava de bandas de Rock de todos os tipos. Mesmo que várias formações já existissem por volta de 1984/85, a oportunidade de gravar um disco e tê-lo circulando nacionalmente ainda era algo bastante distante.

 

Tocar fora das fronteiras do Rio Grande era condição indispensável para qualquer banda de lá pensar numa carreira nacional. Apesar de parecer óbvia, tal constatação sempre se constituiu em uma questão difícil para os músicos gaúchos. Mesmo após ganhar projeção no resto do país, muitos deles, com o passar do tempo, voltaram a ter popularidade local e vivem disso sem qualquer necessidade de levar seu trabalho para outra direção. Naquele tempo, entretanto, todos queriam sair de lá e acontecer. O marco zero desta situação aconteceu no ano de 1986, quando a gravadora RCA/Ariola decidiu financiar a ideia de Tadeu Valério e Miguel Plopschi, que achavam viável a criação de um selo especializado em Rock brasileirol. Com a ideia que poderia haver um novo RPM na área 051, os dois elaboraram uma coletânea pau de sebo chamada Rock Grande do Sul, na qual cinco bandas locais teriam a chance de colocar duas músicas cada. Foram selecionadas Engenheiros do Hawaii, DeFalla, Replicantes Garotos da Rua e TNT, cada uma com seu momento de fama fora do Pampa a partir dali, consequência do contrato que assinaram com o nascente selo Plug.

 

TNT já existia desde 1984, obra de uma galera composta por Charles Master, Flávio Basso, Nei Van Sória, Márcio Petracco e Alexandre Birck. Após a gravação das canções para a coletânea, Entra Nessa e Estou Na Mão, Tchê (Luiz Hernique) Gomes, veio juntar-se ao grupo. Dos primeiros ensaios até estas pioneiras gravações, Van Sória e Basso deixaram a banda para formar Os Cascavelettes, enquanto Birck iria integrar as primeiras formações de Graforréia Xilarmônica. O pessoal restante seguiria adiante com TNT e adentraria os estúdios para a gravação do primeiro disco, sem dúvida, um clássico do nascente (para o resto país) Rock gaúcho.

 

O que mais chamava a atenção na sonoridade do grupo era a completa afeição aos sons mais primitivos do Rock, no caso, The Beatles e Rolling Stones iniciais, além da Jovem Guarda, que aliavam melodias doces a letras insinuantes, envoltas por um manto de R&B, Country e Blues, tudo misturado na medida certa, cantado por jovens branquinhos com penteados de pajens e cara de bebê. Esta estética foi reproduzida ao máximo na obra de TNT, com nítida ênfase nas influências instrumentais, deixando essa áurea de ingenuidade meio de lado. Era algo semelhante ao que Barão Vermelho conseguira no início da década, sem a “poesia” implícita nas letras de Cazuza. O primeiro disco homônimo trazia na capa uma natureza morta, bem semelhante à que estampa Power, Corruptions And Lies, álbum de New Order de 1983 e doze faixas, totalizando quase 41 minutos de Rock adolescente sem frescura, produção na medida entre a economia absoluta de recursos e o desejo de não complicar, a cargo de Ronaldo B. Brito.

 

A abertura já mostra todas as credenciais possíveis com a maravilhosa Ana Banana e seu verso “Ana Banana, por sua causa tô em cana, baby”. Logo após, a introdução “stoniana” clássica e atemporal introduz a clássica Cachorro Louco, sobre um desalmado conquistador de mulheres, outrora um bom rapaz, mas que fora transformado pela “sociedade falida”. Pequenos clássicos da chamada “chinelagem” surgem em fila, a saber, Desse Jeito (com um toque de Raul Seixas nos vocais e levada), Entra Nessa (“te controla, garota, meu problema é mental”), Febem, a sintomática Estou Na Mão e a indispensável canção com nome de mulher, neste caso, Oh, Deby. Tudo feito com a certeza de que o mundo é conquistável nos três minutos da canção.

 

O disco fez sucesso e abriu as portas de uma rotina de shows, excursões, bebedeiras e festas para os moleques da banda. Eles voltariam a gravar novo disco em 1988, no qual estava o maior sucesso da história de TNT, A Irmã do Doctor Robert, que chegou a tocar no finado programa de TV Globo de Ouro. Assim como para a maioria das formações dos anos 1980, a década seguinte seria um constante desafio para o grupo, que encerraria atividades após o terceiro álbum, Noite Vem, Noite Vai, de 1991. Eles retornariam em 2004 para um álbum ao vivo e outro de inéditas, Um Por Todos e Todos Por Um, lançado no ano seguinte.

 

O primeiro álbum de TNT nunca foi lançado em CD e sua versão em LP é considerara item de colecionador. Canções dos dois primeiros discos foram reunidas na coletânea Hot 20, lançada em 1999, já fora de catálogo.

 

Texto originalmente publicado no Monkeybuzz – neste link aqui.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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