O rolê nada aleatório de Jeff e Johnny

 

 

 

 

18 – Jeff Beck & Johnny Depp
(Deuce/Rhino)
55′, 13 faixas

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Quem vê Johnny Depp e Jeff Beck lançando disco em dupla, logo imagina que se trata de um rolê aleatório. Pois não é, pessoal. Depp já se envolve com a música desde os anos 1990, quando integrou a banda de rock alternativo P e, mais recentemente, o Hollywood Vampires, formação que fundou com Alice Cooper e Joe Perry, chegando, inclusive, a vir numa edição do Rock In Rio. E, bem, Jeff Beck é um dos maiores ícones da guitarra em todos os tempos, um sujeito que tem o mesmo nível de excelência de um Jimmy Page, mas que tem um low profile significativo quando o assunto é lançar discos. Seus últimos álbuns de estúdio foram “Loud Hailer” (2016) e “Emotion & Commotion” (2010). Foi por culpa do Hollywood Vampires que Johnny e Jeff se conheceram e logo encontraram pontos em comum – carros e guitarras. Muita gente não sabe, mas o hobby preferido de Beck é a mecânica de automóveis, que ele exerce com dedicação contínua e diária. Ele se encantou com a habilidade musical de Depp e uma admiração crescente nasceu entre os dois, a ponto de Beck colaborar no último álbum dos Vampires, lançado em 2019.

 

 

Foi neste ano que Depp apresentou a Jeff uma composição própria: “This Is A Song For Miss Hedy Lamarr”. O encantamento foi imediato e ambos perceberam que era a hora de lançarem um trabalho conjunto. A ideia partiu de Jeff, bem como o conceito do disco, com ambos se sentindo jovens como se tivessem dezoito anos de idade. Além disso, a ideia contemplou basicamente o uso de covers de artistas que fossem queridos da dupla, mas também havia espaço para canções compostas por Johnny Depp, caso da própria “This Is A Song For Miss Hedy Lamarr” e de “Sad Motherfuckin’ Parade”, que foi composta ao longo dos três anos que se seguiram, a boa parte dentro da pandemia da covid-19. Dentre estas versões, a primeira a dar as caras foi “Isolation”, canção arrasa-quarteirão, escrita por John Lennon para seu seminal álbum “Plastic Ono Band”, de 1969. A performance vocal de Depp vai muito além do que as pessoas poderiam chamar de “convincente”, com uma real entrega.

 

 

Que é fã de Jeff Beck sabe que ele não é um cantor. Logo, a maior parte de suas gravações é composta por belos instrumentais e aqui não é diferente. Fica latente e visível a sua predileção por canções que têm ênfase na melodia e suas escolhas são muito bem feitas. A versão de “Ooo, Baby, Baby”, de Smokey Robinson & The Miracles é praticamente fiel ao original, com o máximo respeito pelo arranjo irretocável, elaborado na Motown do início dos anos 1960. Os vocais de Depp soam surpreendentes e mostram versatilidade aqui. Também é da lavra da soul music perfeita a presença de “What’s Going On”, cavalo de batalha máximo de Marvin Gaye, levada adiante por uma releitura igualmente respeitosa. O amor pelas harmonias também surge na escolha de três faixas ligadas aos Beach Boys. “Caroline, No” e “Don’t Talk (Put Your Head On My Shoulder)”, composições não-óbvias, gravadas pelos irmãos Wilson em “Pet Sounds” e a linda e surpreendente “Time”, de autoria de Dennis Wilson, contida originalmente em seu álbum “Pacific Ocean Blue”, de 1977.

 

 

Guitarrista magnífico, Beck também é muito capaz de fornecer paisagens sonoras cáusticas e barulhentas, especialmente apropriadas aos momentos mais pesados do disco, especialmente nas versões de “Venus In Furs”, do Velvet Underground e na leitura de “Death And Resurrection Show”, do Killing Joke. Há momentos em que é possível ver a real colaboração entre os dois dar origem a algo realmente equilibrado, caso da ótima versão de “Let It Be Me”, dos Everly Brothers e nos dois originais de Depp.

 

 

Jeff Beck está excursionando pela Europa com Depp fazendo participação especial, numa turnê que vai se encerrar no Olimpia, de Paris, no dia 25 de julho. Pensar numa apresentação dessas por aqui é sonhar acordado.

 

 

“18” estará disponível para audições no dia 15 de julho, também conhecido como amanhã. A gente irá colocar o link na matéria assim que possível. Por enquanto, segue o clipe de “Isolation”.

 

 

 

Tracklist

“Midnight Walker” (Davy Spillane cover)
“Death And Resurrection Show” (Killing Joke cover)
“Time” (Dennis Wilson cover)
“Sad Motherfuckin’ Parade” (Johnny Depp original)
“Don’t Talk (Put Your Head On My Shoulder)” (Beach Boys cover)
“This Is A Song For Miss Hedy Lamarr” (Johnny Depp original)
“Caroline, No” (Beach Boys cover)
“Ooo Baby Baby” (The Miracles cover)
“What’s Going On” (Marvin Gaye cover)
“Venus In Furs” (The Velvet Underground cover)
“Let It Be Me” (The Everly Brothers cover)
“Stars” (Janis Ian cover)
“Isolation” (John Lennon cover)

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *