10 histórias para entender um mundo caótico: 10 histórias para tentarmos ser pessoas melhores.

 

 

“O que a literatura quer da gente é coragem”

 

Quanta bravura cabe nessa paráfrase que a escritora Maria Valéria Rezende fez de Guimarães Rosa. A coragem de quem sabe que as palavras são a força motriz de quem entende que pensar o nosso lugar no mundo é coisa indiscutível.

 

Os escritores Ruth Manus e Jamil Chade são desse tipo de gente e juntos escreveram o livro 10 histórias para tentar entender um mundo caótico, lançado mês passado pela Editora Sextante.

 

O livro foi organizado da seguinte forma: Eles escreveram cinco textos cada um sobre temas diversos como migração, racismo, corrupção, religiosidade, feminismo, saúde, trabalho, relatando suas experiências e vivências com cada um deles e desse ponto de partida trocam ideias sobre questões que não podem ser ignoradas se o que queremos para nós e para as próximas gerações é um planeta transformado, repensado, mais humano, quer nossos desejos e ações sejam utópicos ou não.

 

“Precisamos parar de tratar o mundo na terceira pessoa.” (Ruth)

 

Aliás, falando em próximas gerações, Jamil, inverte nosso pensamento constante (que eu mesma usei aqui) e questiona: falamos tanto do planeta que queremos deixar para os jovens, mas que tipo de jovens queremos deixar para o planeta?

 

“Temos de abandonar a percepção que tanto ouvimos:  que mundo deixaremos para nossos filhos? Nada disso. O real desafio é nos fazermos uma pergunta muito mais desafiadora que essa: que geração vamos deixar ao mundo?” (Jamil)

 

De relato em relato passamos por Marrakesh e o encontro entre Ruth, uma mulher de burca e sua própria condição de mulher ocidental. Olhamos tão espantados quanto Jamil para a fila de pessoas de quem a pandemia tirou a renda em Genebra, sentimos o bater dos corações desesperados dos que fogem para Dadaab, o maior campo de refugiados no mundo no Quênia deixando pelo caminho o corpo dos netos mortos e levando consigo o desespero por dignidade e o medo de não morrer de fome.

 

Antes de chegar à Dadaab, Jamil nos leva para a cidade de Bagamoyo, na Tanzânia, onde escreveu sobre o impacto da AIDS em uma das regiões mais pobres do planeta e conheceu duas garotas que poderiam estar em uma das minhas antigas salas de aula, ser colega das minhas sobrinhas ou a menina que foi a mulher que vejo todo dia na porta do supermercado em frente ao meu trabalho.

 

Era de Begamoyo o endereço escrito na carta que ele recebeu em sua casa depois daquele dia.

 

Carta-pedido de socorro de uma das garotas, que havia perdido a mãe pela AIDS e não tinha outra opção para se salvar além de pedir para que Jamil, um homem adulto, se casasse com ela, criança que em seu primeiro e único encontro com ele usava uniforme escolar e brincava com uma amiga.

 

“Preciso sair daqui “escrevia a garota. A cada tantas frases, uma promessa se repetia: “Eu vou te amar”. Uma observação no final mais parecia uma sentença de morte: “Com as últimas moedas que eu tinha, comprei este envelope, este papel e este selo. Você é minha última esperança” (Jamil)

 

O impacto desse trecho sobre a minha leitura se repetiu quando, no último fim de semana Jamil escreveu um texto contando essa história que como Ruth bem citou no livro suscita vários e urgentes debates sobre pobreza, marginalização, abandono infantil, AIDS e empatia seletiva, e o endereçou ao deputado (cujo nome não mencionarei aqui) que novamente deu inúmeras provas de que não sem importa com princípios básicos da humanidade,

 

Como falar de meritocracia num mundo tão desigual?

 

“Como alguém pode ter coragem de falar em meritocracia num país no qual quase metade da população não tem acesso à rede de esgoto?” (Ruth)

 

Ruth e Jamil recusam-se a apelar para um conceito que só serve para os poderosos manterem os próprios privilégios e construíram um livro com a verdade dos que acreditam que olhar para o outro é olhar para si mesmo.

 

Dos que entendem que a esperança nem sempre vem de visita.

 

Mas que algumas vezes ela até arrisca um oi, uma chegada que alivia o peso de um mundo caótico, e em outras precisa de ajuda para não ser esquecida, negligenciada, encarada como coisa sem propósito.

 

Para todas essas horas existem coragem e literatura, o laço que Jamil e Ruth estendem até nós, em um livro que é realidade, amor, dureza, aprendizado e futuro, seja lá ele qual for.

 

“Acho que nossa principal missão na Terra é evoluir como indivíduos. É nos tornarmos a cada dia, pessoas que pensaram mais, debateram mais, mudaram de ideia e cresceram” (Ruth)

 

Aqui está o link para o texto publicado pelo Jamil no fim de semana. Um jeito importante e real de pensarmos sobre o dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher:

 

Carta para Arthur do Val: a condição feminina na guerra e na paz – 05/03/2022 – UOL Notícias

Debora Consíglio

Beatlemaniaca, viciada em canetas Stabillo e post-it é professora pra viver e escreve pra não enlouquecer. Desde pequena movida a livros,filmes e música,devota fiel da palavras. Se antes tinha vergonha das próprias ideias hoje não se limita,se espalha, se expressa.

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