Vanessa da Matta segue inspirada em “Todas Elas”

 

 

 

 

Vanessa da Mata – Todas Elas
41′, 11 faixas
(VDM)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Gosto muito do trabalho de Vanessa da Mata. Considero que a cantora e compositora matogrossense é uma das grandes responsáveis pela atualização da MPB na virada do milênio, juntamente com Bebel Gilberto. Seu estilo de canto, sua sensibilidade como compositora e sua capacidade de transitar por estilos distintos como samba, reggae e pop, fazem de Vanessa uma artista muito versátil e bem informada. Além disso, ela é uma compositora sempre muito inspirada, com capacidade de escrever ótimas letras e melodias redondas. Desde 2002 na ativa como artista solo, Vanessa não gravou um álbum menos que bom. Sempre foi produzida por caras bem informados, como Kassin e Liminha, conservando sua música elegantemente acima da banalização total, exceção talvez ao hit “Ai, Ai, Ai”, de seu segundo disco, o ótimo “Essa Boneca Tem Manual” (2004), que foi remixado e inserido no breve surto drum’n’bass nacional daquele início de século. E não podemos deixar de lado “Boa Sorte/Good Luck”, um dueto com o americano Ben Harper, que também estourou de tanto tocar em todos os cantos. Não por acaso, estas duas faixas, juntas, têm mais de 230 milhões de audições no Spotify. Vanessa está com mais um ótimo trabalho saindo, “Todas Elas”. Vamos a ele.

 

Assim como no álbum anterior, “Vem Doce”, Vanessa assumiu a produção musical e dividiu trabalhos de arranjo com dois músicos de sua banda – o guitarrista Maurício Pacheco e o baterista Marcelo Costa. O diálogo com esses e com os produtores anteriores, mantém a contemporaneidade da música de Vanessa como uma de suas maiores características. Além disso, ela é uma artista bem informada, capaz de misturar colaborações com artistas nacionais como Jota Pê e João Gomes com o pianista americano Robert Glasper. Pense rápido – quem no pop brasileiro atual seria capaz de lançar uma faixa com Glasper? Pois é, ninguém. E mais – Vanessa assina todas as composições de “Todas Elas”, confirmando a sua impressionante capacidade criativa e fluência. Mesmo que tenha essa elegância, como já dissemos, Vanessa também cravou hits consideráveis. E teve muita projeção popular por conta de emplacar canções em novelas globais, até agora, dezesseis. Se pensarmos que a carreira solo dela tem vinte e três anos, só em sete ela não teve uma música veiculada pela mídia hegemônica.

 

Porém seria reducionista e equivocado responsabilizar essa exposição como o fator principal de seu sucesso. Vanessa é, como dissemos, extremamente fluente na composição. Sua voz é única, aguda, afinadíssima e ela vem abordando um tema recorrente em sua obra – a mulher. As possibilidades da mulher no nosso tempo, sempre através de um olhar que considera inegociáveis a igualdade e os direitos delas. Em “Todas Elas”, essa mensagem já está presente no título, alertando para todos os aspectos e personalidades da alma e da pessoa feminina, seja no plano público, seja na existência privada. Não há qualquer desperdício entre as canções, tudo é muito redondo. Em “Maria Sem Vergonha”, faixa que abre o disco, ela percorre uma série de situações cotidianas enfrentadas pelas mulheres: “Não se assanhe//Batom vermelho é proibido//Não se arreganhe//Não seja fácil, mate a libido”, tudo isso em meio a um arranjo disco-funk muito bem executado. Logo em seguida, “Esperança”, o primeiro single do álbum, já muda o panorama para uma bela balada com os traços característicos de Vanessa, especialmente a voz perfeita. A melodia é gentil e remonta a canções dos anos 1970.

 

Mantendo sua fluência em vários estilos como um trunfo poderoso, ela entra no afrobeat estilizado em “Eu Te Apoio em Sua Fé”, em que ataca a exploração religiosa e defende as manifestações de matriz africana. Em “É Por Isso que Eu Danço” ela mergulha no pop dançante com pequenos toques de anos 1980 no arranjo, mencionando “tragédias gregas”, “Drumond”, “crises de pânico” e “casos maldosos” como partes do fogo cruzado de informações e reações que esgotam o corpo e a alma. Em “Um Passeio Com Robert Glasper Pelo Brasil”, o pianista americano pontua a melodia com seu instrumento enquanto Vanessa envereda pelo jazz-bossa, com um resultado muito belo. E “Quem Mandou” evoca o samba-rock sessentista, especialmente os arranjos que marcaram o início da carreira de Jorge Ben e Wilson Simonal fase Pilantragem. “Ciranda” pega o caminho do samba-reggae para dissertar sobre resistência diante das agruras enfrentadas em todos os cantos da vida em sociedade, quando esta é injusta e desigual. E “Demorou”, faixa de encerramento, traz a colaboração com João Gomes num belo arranjo reggae, a primeira praia musical da carreira de Vanessa, no início dos anos 1990.

 

Tudo em “Todas Elas” é ótimo. Bem tocado, bem cantado, com ótimas composições, um extremo bom gosto por todos os cantos. É um discaço de uma artista que é muito mais do que aparenta e olha que ela já aparenta muito. Belezura.

 

Ouça primeiro: todo o álbum.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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