Tiago Iorc segue sonolento e monotemático

 

 

 

 

 

Tiago Iorc – Antes Que O Mundo Acabe
36′, 11 faixas
(Som Livre)

2.5 out of 5 stars (2,5 / 5)

 

 

 

A cada dois, três anos, a gente já sabe: chega um disco do Tiago Iorc sem aviso, que ele gravou secretamente, sempre com a chancela de uma grande gravadora, mesmo nesses tempos de streaming e independência. Assim como o trabalho anterior, o pouco inspirado “Daramô” (2022), Iorc lança um disco pela Som Livre. “Antes Que O Mundo Acabe” surgiu há cerca de uma semana, sem aviso prévio ou qualquer campanha de divulgação de singles, direto nas plataformas de streaming. Lembramos do “comeback” de Tiago em 2019, quando lançou, supostamente oculto e à revelia de todos, nada menos que um “Acústico MTV” e outro álbum, “Reconstrução”, superproduzido, justo quando diziam que ele estava desfrutando a belezura de um ano sabático após se tornar o queridinho da nova música popular brasileira indie. Tudo bem, entendemos que esse é seu modus operandi e a gente finge a surpresa. E, bem, com o lançamento do novo álbum de Silva há uma semana, entendemos que a Som Livre tenta estabelecer um monopólio nesse setor de cantores-compositores sensíveis brasileiros sem muito sangue. E, bem, como os trabalhos recentes, este novo disco naufraga na autorreferência, na falta de inspiração e no uso de um formato que parece estar esgotado. Senão vejamos.

 

O amor é o tema que domina a música e a criatividade de Iorc. Se ele parecia meio infantilizado com a temática no álbum anterior, aqui parece “ter amadurecido”. Quer dizer, a visão de amor que ele traz aqui é totalmente encapsulada no presente, no agora, como ele mesmo diz num verso da faixa-título, que abre o álbum: “Se o amanhã é ilusão e o passado é só estrada que não volta, antes que esse mundo acabe eu só quero que você desabe nos meus braços ao menos uma vez porque pode ser a última”. É uma mistura de pessimismo imediatista, completa ausência de olhar para o futuro e zero conexão com o passado, seguindo bem o ritmo imediatista do tempo em que vivemos, servindo de trilha sonora perplexa para individualidade, vaidade e mesmo falta absoluta de noção sobre a vida a dois, numa postura que parece dar mais importância ao que acontece como se fosse um feito a ser anotado. Em outro momento, na canção “Bésame, Esqueça-me”, dueto com Julia Mestre, ele dispara: “Meu querer tem hora, o sol desfaz o gosto, eu sou de lua e, mesmo assim, vou querer te dar a importância de existir aqui, dentro de mim”. Fala sério.

 

Tiago Iorc já teve uma carreira interessante. Até o álbum “Troco Likes”, de 2015, ele misturava boas referências de música alternativa com fluência de bom compositor e pequenos flertes com uma música brasileira pop e acústica de bom gosto, que o fez emplacar vários hits e tornar-se uma dessas figuras encampadas pela Rede Globo e suas derivadas, fornecendo imagem e som para uma “música de qualidade”, ao mesmo tempo em que ia perdendo essas referências mais interessantes, abandonadas progressivamente em favor de um modelo popularesco e falsamente refinado. Hoje, no quinto álbum após esse momento, Tiago está completamente perdido num mar de canções acústicas supostamente espertas, com toques e tiques de produção que procuram dar alguma relevância às escolhas e registros que ele apresenta. O resultado é monótono e pouco criativo, deixando-o reduzido a um bom cantor, algo que ele ainda é.

 

As composições são totalmente banais e naufragam na mesmice dessa visão neoliberal de amor presentista. Tiago se mostra totalmente imerso numa persona chatíssima, supostamente sensível, mas que parece se portar de forma egoísta quando o assunto é o relacionamento a dois, que ele parece tanto prezar. Em “Eu Só Queria…” ele parece existir apenas na primeira pessoa do singular, falando de si, do que deveria, do que poderia, indeciso, monótono. Em “Crianças Crescidas”, que parece autorreferente de forma involuntária, ele novamente reclama do tempo, mostrando uma nítida incapacidade em lidar com o passar dos dias, lamentando por um tempo anterior ao que “se transformou em criança crescida junto com a pessoa com quem se relaciona”. E ele pergunta: “onde andam seus sonhos, esperança perdida”, abusando da chatice. Sintomaticamente, seu melhor momento aqui é um dueto com Anitta, “Na Ausência de Ti”, versão em português da canção “In Assenza Di Te”, que foi sucesso na voz de Laura Pausini. Ainda que o resultado esteja a poucos centímetros da breguice total, o arranjo que tangencia a bossa nova lenta, com cordas, se salva no resultado final. Nem dá pra acreditar que a produção desse disco ficou a cargo de Kassin.

 

Tiago Iorc já esgotou o crédito de que dispunha e sua persona artística hoje beira o insuportável. Muito jogo de cena, muito drama, muito low profile de proveta, tudo em nome de uma obra banal e que precisa desesperadamente de uma injeção de sangue, vida, atitude. Do jeito que está, é só um morto-vivo com estilo, vagando pelos Altas Horas da vida.

 

Ouça primeiro: “Na Ausência de Ti”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Tiago Iorc segue sonolento e monotemático

  • 4 de junho de 2024 em 15:43
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    Quem é Julia Mestre, gente?
    Cadê o coque desse “mininu”? Gostava tanto do coque.
    O texto é ótimo. Nota para o “low profile de proveta”, to rindo até a próxima Copa.
    No mais…
    Deus me livre.

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  • 4 de junho de 2024 em 11:43
    Permalink

    Hahahaaa muito bom, concordo plenamente! Excelente critica!

    Resposta

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