The National lança seu álbum mais delicado
The National – First Two Pages Of Frankenstein
47′, 11 faixas
(4AD)

Ler outras opiniões é algo que considero fundamental para quem escreve sobre música. Em termos de Brasil, com a nossa escassez de veículos especializados no assunto capazes de oferecer alguma leitura recompensadora, a tarefa passa, necessariamente, por ler textos de veículos gringos, estes sim, capazes de emitir juízos e opiniões valiosas. No caso de “First Two Pages Of Frankenstein”, nono álbum do The National, ler essas publicações tem um efeito interessante: várias delas acusam a banda de Nova York de duas coisas – acomodação, trazida pela maturidade e mesmice. Resenhas publicadas em lugares como The Guardian e Pitchfork ainda assinalam que a banda não reproduz “riffs angulares de guitarras como no início da carreira”. Isso é bem irritante, senão vejamos. O The National iniciou seus trabalhos em 2001, ou seja, tem 22 anos de estrada, pertence à mesma geração dos Strokes e não poderia – sob pena de parece até ridículo – entoar as mesmas cantilenas de tanto tempo atrás. A crítica ainda não aprendeu a apreciar a maturidade artística.
O barato em “Frankenstein” é poder ver uma banda dando a volta por cima. Matt Berninger, cantor e letrista do grupo, sofreu um bloqueio criativo fortíssimo a partir de 2020 e entrou em depressão profunda por conta da pandemia de covid-19, a tal ponto que o restante do The National precisou vir a público para dizer que não havia a menor condição de prever um retorno. Bryce Dessner, guitarrista da banda, tornou-se um produtor pra lá de requisitado, chegando a trabalhar com gente tão distinta quanto Phillip Glass e Taylor Swift. Morando em Paris, Dessner construiu uma rede de colaboradores e enfileirou bons discos produzidos, o que, certamente, influenciou uma lenta retomada das atividades do The National. Isso não seria possível se Matt Berninger não contasse com a ajuda de sua esposa, Carin, que ajudou a escrever as letras das vindouras canções, bem como trazendo o marido de volta de um período no qual, segundo ele mesmo, não queria sair de casa ou mesmo do quarto.
Nada disso aponta para um disco “feliz”. The National, ao contrário, é uma banda que tem na exploração da melancolia a sua maior característica. Berninger e Dessner fazem isso com maestria e conhecimento de causa. As canções de vários álbuns da carreira do grupo, especialmente a partir de “The Boxer”, lançado em 2008, enfatizam essa busca, essa curiosidade em explorar a melancolia, não como algo dramático e trágico, mas como algo inevitável, quase que indistinto em relação ao cotidiano que vivemos. Se pensarmos bem, faz todo o sentido. Por isso, “Frankenstein” tem essa sutil oposição, a de trazer uma banda voltada para a tristeza inerente ao século 21 e sua miséria existencial, tentando comunicar aos fãs que, sim, está viva, voltou e se sente disposta a entabular vários shows, turnês, participações em programas de TV, etc.
Talvez essa oposição, de tão sutil que é, passe despercebida por ouvidos menos atentos ou por ouvidos que olham para a música como se ela fosse algo suspenso no ar, independente de vivências e experiências pessoais. O disco, como dissemos, é belo e tem canções com a marca indelével do The National, a saber, letras cortantes, melodias que oscilam em arranjos que, ora trazem invólucros soturnos, minimalistas ou que também são capazes de oferecer ao ouvinte pequenas explosões pós-punk. Não faltam canções belas aqui, caso explícito de “Eucalyptus” e “Your Mind Is Not Your Friend”, esta última, com participação de Phoebe Bridgers (que também aparece em “This Isn’t Helping”). Taylor Swift faz um belo dueto com Berninger em “The Alcott” mas os maiores momentos deste álbum são, sem dúvida, “Tropic Morning News” – uma porrada pós-punk incendiária que emoldura um fim de relacionamento acontecendo sob a luz de uma manhã – e a impressionante “New Order T-Shirt”, que mostra Berninger lembrando de detalhes minuciosos de outro relacionamento desfeito num passado remoto. Em ambos os casos, a poesia tristonha do sujeito faz a diferença a tal ponto que fica injusto destacar um ou outro verso de ambas as letras.
“First Two Pages Of Frankenstein” não é o melhor álbum da carreira do The National e nem precisa ser. É, no entanto, o retrato da banda hoje, com sinceridade e sensibilidade expostas. Em seus melhores momentos, ele é um disco brilhante.
Ouça primeiro: “The Alcott”, “New Order T-Shirt”, “Tropic Morning News”, “Your Mind Is Not Your Friend”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.