Susanna Hoffs descobre álbum com mais de vinte anos
Susanna Hoffs – The Lost Record
42′, 10 faixas
(Baroque Folk)

À medida que o tempo passa, diversificam-se os meios para conhecer Susanna Hoffs. Os fãs mais velhuscos certamente não esquecem o fascínio que a cantora e compositora exerceu nos tempos em que liderou as Bangles. Outro quinhão de admiradores se encantou por ela a partir da série de três discos lançados em parceria com Matthew Sweet, “Under The Covers”, na qual a dupla revisitou vários sucessos de três décadas da música pop rock. E tem a galera de agora, que se apaixonou pela narrativa fluida de “This Bird Has Flown”, seu primeiro livro, lançado em 2023. Seja qual for o caminho, toda essa gente é unânime em atestar a excelência de Susanna como compositora e representante à prova de falhas de um pop rock de origem setentista, límpido, adorável e cheio de ótimos momentos cravados ao longo do tempo. A carreira de Susanna tem uma elegância ímpar e tempo próprio – esteve bem ativa entre 2006 e 2013, quando soltou toda a trilogia “Under The Covers” e seu trabalho solo “Someday” (2012), além de “Sweetheart Of The Sun”, segundo álbum de retorno das Bangles, em 2011. Nos últimos três anos, tempo em que deu vida a “Bright Lights” (2021) e “The Deep End” (2023), ela veio intercalando sua produção com seu livro. Até que, vasculhando seu arquivo de gravações, ela deu de cara com estas dez faixas, gravadas em 1999, quando tinha acabado de ser mãe pela segunda vez. Agora estas canções vêm à luz do dia com graça e beleza neste “The Lost Record”.
É interessante notar algo: ainda que Susanna tenha feito sucesso com suas próprias canções, especialmente nos tempos de Bangles e no início da carreira solo, na década de 1990, foi participando de regravações que ela reempacotou sua imagem. O projeto de covers com Matthew Sweet, iniciado a partir da colaboração deles com o diretor Jay Roach (marido de Hoffs) para os filmes do detetive Austin Powers, a fez pegar gosto pelo ofício das versões. Seus dois trabalhos mais recentes são compilações de covers de gente tão diversa como Rolling Stones, Squeeze, Nick Drake e Chris Bell, mostrando que, mesmo no terreno da apropriação das canções alheias, Susanna tem coerência e apreço pelos mais relevantes nomes do ofício. Por isso é interessante que surja um trabalho totalmente autoral quanto este “The Lost Record”, composto e registrado, justamente em meio ao início desta fase com Roach e Sweet. E a produção do que viria a ser “The Lost Record” começou três anos antes disso, em 1996, com a intenção de fazer algo nos mesmos moldes do álbum de estreia de Sheryl Crow, “Tuesday Night Music Club”, lançado em 1993. Para isso, Susanna firmou parceria criativa com Bill Bottrell, David Baerwald e Dan Schwartz, responsáveis pelo sucesso de Crow.
Com as sessões acontecendo na garagem da casa de Susanna, que havia sido mãe recentemente, as gravações fluiram em clima informal. A maioria das letras fala deste momento de vida – mãe pela segunda vez, chegando aos quarenta anos de idade, casada com um diretor de cinema e lidando com uma carreira que oscilava entre realizações solo e a parceria com as Bangles, que voltaram a excursionar na mesma época, após um bom tempo paradas. Tudo isso gerou combustível lírico para que a qualidade das canções chegasse num nível muito alto, talvez o maior de Susanna como compositora desde os anos 1980. Dentre as dez faixas, há uma parceria com Jane Wiedlin e Charlotte Coffey, das Go-Gos, que também participaram das gravações, junto com o grande baterista Jim Keltner e o trio de músicos e produtores Bottrell, Baerwald e Schwartz.
As canções têm uma pegada pop rock irresistível e lembram tanto a pegada da Sheryl Crow inicial quanto o trabalho da própria Susanna, num clima de atualização estética ou algo assim. De cara já temos uma boa versão de “Under A Cloud”, que entraria no álbum das Bangles de 2011, com um arranjo mais roqueiro. A lindeza de “Grateful” mostra toda a excelência da Susanna compositora, com um ótimo trabalho de produção e vocais de apoio. Esse tom segue por todo o álbum, com momentos de beleza em “Who Will She Be”, mais soturna e totalmente inserida no contexto do momento de tantas novidades pessoais que povoaram a vida de Hoffs. “I Will Take Care Of You” já fala das responsabilidades vindas com a maternidade, enquanto “Living Alone With You” traz os longos períodos de solidão experimentados por ela quanto o marido estava filmando em outro país. Com a volta das Bangles quase na mesma época e outros projetos que vieram ao mesmo tempo, as sessões foram engavetadas. Agora, vinte e cinco anos depois, estão de volta.
Susanna Hoffs é sensacional. Qualquer canção composta ou gravada por ela tem uma aura própria. É uma artista que sempre esteve produtiva e que conseguiu aliar eventos da vida pessoal com uma produção artística de ótimo nível, sempre sincera. Com os direitos de seu livro já comprados pela Universal e na produção de um novo álbum para o início de 2025, ela não para quieta. Ainda bem.
Ouça primeiro: “Under A Cloud”, “Living Alone With You”, “Grateful”, Who Will She Be”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.