Stereolab retorna com um de seus melhores álbuns
Stereolab – Instant Holograms On Metal Film
60′, 13 faixas
(Warp/Duophonic)

Quando surgiu, no início dos anos 1990, o Stereolab tinha um conceito muito simples, ainda que fosse extremamente original: tocar, agir e pensar como se estivessem num túnel do tempo, em que uma das saídas dava no presente e a outra, no passado de meados dos anos 1960. Até aí, tudo bem. A década de 1960 ainda tem força suficiente para servir de parâmetro e inspiração para a música, mesmo hoje, sessenta anos depois. Mas não era isso o que a banda anglo-francesa propunha. Era encarnar o espírito futurista dos anos 1960, quando a cultura pop incorporou uma instigante curiosidade pelo porvir, especialmente aquele que apontava para uma época de prosperidade, viagens espaciais, conquistas tecnológicas e tudo que viesse decorrente disso. Fazia sentido pensar nesse flash-back futurista nos anos 1990, a década em que os parâmetros do sistema passaram a apontar para o presente e nada mais. Soava excêntrico, diferente, genial fazer música noventista com este DNA invertido do tempo. Agora, trinta e tantos anos depois, fazer este tipo de música ainda tem muito charme e propriedade, mas contém outra camada de sentido, o de trazer uma centelha de otimismo e recordar como já foi possível olhar para o futuro sem pensar, necessariamente, que iremos acabar com o planeta e nós mesmos a qualquer momento. Uma época dourada em que não haveria espaço para trumps, neonazistas, neofascistas e burrismo de qualquer espécie. Longe de ser ingênuo, fazer música assim hoje é corajoso e continua genial. E o Stereolab nem precisava lançar um de seus melhores trabalhos desde sempre, “Instant Holograms On Metal Film”.
E olhar para o futuro novamente, significa extrapolar essa mesmice neoliberal que vivemos hoje. Significa pensar novamente em possibilidades socialistas, desejar ficar na beira da piscina bebendo coquetéis coloridos, colocar Burt Bacharach para rodar na vitrola de uma espaçonave de cruzeiro rumo a Marte e lembrar de uma canção que o próprio Stereolab gravou em 1994, “Ping Pong”, que traz o verso: “It’s alright ’cos the historical pattern has shown/How the economical cycle tends to revolve/In a round of decades”. Isto significa dizer que as coisas acontecem em ciclos, que se repetem. Sendo assim, faz total sentido que a banda esteja aqui, fazendo ainda melhor o que já fazia antes e que, já vinha sendo feito antes dela mesmo. O grupo ainda conserva seus dois cérebros pensantes – o multimúsico inglês Tim Gane e a cantora francesa Laetitia Sadier, que acrescentaram mais e mais beleza e inspiração ao que já faziam antes. Pensando bem, já se vão quinze anos desde que o grupo lançou um álbum de inéditas, sendo “Not Music”, do longínquo ano de 2010, o trabalho anterior. Nesse espaço de tempo, o Stereolab manteve seus fãs abastecidos de relançamentos, coletâneas e remixes, sempre transmitindo a ideia de que estavam apenas aguardando a inspiração para lançar um novo punhado de inéditas.
Esta inspiração começou a dar frutos concretos quando o grupo se reuniu em 2019 por conta do relançamento de seus sete primeiros discos e decidiu empreender uma turnê por várias cidades, meio que testando a o tanto de popularidade que ainda restava. Além de Tim e Laetitia, estavam a bordo o baterista Andy Ramsay, o baixista Xavi Muñoz Guimera e o tecladista Joe Watson. Daí para a composição de novas canções, não demorou muito. Com o som apropriado de “Mystical Plosives”, o disco dá a partida, mas é com “Aerial Troubles” que a banda nos puxa para sua atmosfera melancólica. É uma elegia sonora para um mundo que, atolado em ruído maligno, luta para se manter de pé. A faixa, quase que em um ato de desafio, explode em uma energia compacta e distorcida – uma recusa categórica em ceder. Se a modernidade está em seu “estágio paliativo”, o álbum sussurra que é tempo de forjar um novo caminho.
Apesar da (injusta) acusação de ser excessivamente cerebral, o Stereolab irradia um calor palpável ao longo do disco. Uma onda de esperança que nos convida a mergulhar no presente, seja na eletrizante instrumental “Electrified Teenybop!” ou na cadência arrastada de drum’n’bass de “Esemplastic Creeping Eruption”. Mas o álbum não se esquiva das críticas mordazes. “Colour Television” dispara contra “a promessa enganosa de uma classe média para todos”, enquanto o ritmo oscilante nos guia para um esquecimento quase suicida. “Melodie Is A Wound” se desfaz em uma pane de sintetizador, ecoando o desespero. No entanto, “Immortal Hands”, com a participação de Ben LaMar Gay nos metais, busca substituir o “arranha-céu do ego ereto//Niilista e vulgar” por uma ode ao amor e à natureza.
Este é um disco que, com frequência, fala e encarna a linguagem da conexão, do entrelaçamento e da união. O Stereolab mantém sua singular capacidade de reorganizar o mundo, deslocando o cenário da vida cotidiana e iluminando novas possibilidades, como se estivesse insistindo que ainda há coisas pelas quais vale a pena lutar.
Ouça primeiro: “Melodie Is A Wound”, “Immortal Hands”, “Vermona F Transistor”, “Electrified Teenybop!”, “Transmuted Matter”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.