Perry Farrell – Kind Heaven

 

Gênero: Rock alternativo
Duração: 31 min
Faixas: 9
Produção: Tony Visconti
Gravadora: BMG
3.5 out of 5 stars (3,5 / 5)

 

Rapaz, que disco legal. Há muito que Perry Farrell não soa tão interessante. E também já faz bastante tempo que ele resolver ser o Mr. Lollapalooza, viajando e incorporando a persona “homem de negócios” a seu repertório. Pouca gente sabe que ele é o responsável por, pelo menos, duas das canções mais interessantes do rock alternativo noventista, a saber, “Been Caught Stealing”, com o Jane’s Addiction, e “Pets”, com o Porno For Pyros, dois projetos em que dava as cartas, batia escanteio e corria pra cabecear. Isso sem falar na majestosa “Jane Says”, faixa do segundo disco do JA, “Nothing Shocked”, lá do distante ano de 1988. Portanto, Perry, apesar de uma carreira solo irregular e bissexta, tem a manha. E mostra isso neste surpreendente “Kind Heaven”.

 

É um trabalho curtinho, meia hora para nove canções. A tônica é o rock pesado que norteava o Jane’s e que sempre foi o idioma no qual o sujeito é mais fluente. Seus flertes com a eletrônica, por exemplo, sempre soaram confusos e sem foco. Aqui a coisa funciona que é uma belezura, ainda mais com a produção de Tony Visconti, um cara que já assinou o nome em vários momentos da carreira de David Bowie, por exemplo. Ele atua principalmente para incorporar os tiques e taques da ambiência guitarreira com algumas ferramentas de música sintética – efeitos, sintetizadores – que soam delicadamente coadjuvantes, apenas funcionando para o resultado final. Deste jeito, tudo por aqui soa moderno e conectado com uma tradição rock’n’roll da qual Perry faz parte inegavelmente.

 

O tema principal é a desilusão com a política, temperada pela esperança por um futuro em que tudo melhore de alguma forma. Isso se materializa na dobradinha “Private Punk Politician” – a segunda faixa – e o encerramento, com “Let’s All Pray For The World”. No meio do caminho, Perry fala de amor como força de pensamento e posicionamento político, algo que vem sendo feito com muita frequência por músicos antenados nestes tempos bicudos. A partir disso, ele se sai com ótimos achado, especialmente a maravilhosa “Snakes Have Many Hips”, sua melhor canção deste “Pets”. Em meio a uma instrumentação glam e intencionalmente datada, ele constroi uma melodia grudenta e cheia de charme, com pianos, cordas e o escambau, uma verdadeira belezoca.

 

Outros momentos inspirados vão surgindo: “One”, apaixonada declaração à esposa, Eti Lau Perry, que participa dos vocais de “Machine Girl”, uma canção, digamos, menos inocente e lírica que a anterior. Tem mais amor em “Where Have You Been All My Life”, eletrônica e bela e mais sacanagem em “Spend The Body”, com uma levada quase funky. Entre elas, uma canção mais climática e bela, “More Than I Could Bear”.

 

Este “Kind Heaven” é uma dessas surpresas sensacionais. A gente não dá nada por ele, vai ouvir por conta do ofício e já é fisgado logo de cara. Belo disco de um artista que precisa produzir com mais frequência, porque tem talento de sobra.

 

Ouça primeiro: “Snakes Have Many Hips”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *