O pensamento crítico do Manic Street Preachers

 

 

 

 

Manic Street Preachers – Critical Thinking
42′, 12 faixas
(Sony)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

“O que aconteceu com o seu pensamento crítico?”, perguntam os Manic Street Preachers no primeiro verso da primeira canção de seu décimo-quinto álbum em trinta e quatro anos de carreira. O que aconteceu? Você ainda tem a capacidade de pensar de forma crítica, independente, reflexiva? A canção-título, ainda que pareça distópica em meio à dificuldade vigente relativa ao pensamento independente, coloca os Manics numa interessante pós-maturidade … otimista. A mensagem de “Critical Thinking”, o disco, é de “vivemos tempos péssimos, mas, acredite, as coisas vão melhorar”. Não deixa de soar irônica essa postura, especialmente se levarmos em consideração que o trio galês é uma das mais engajadas bandas em atividade das últimas décadas. Tocaram em Cuba para Fidel Castro. Suas canções e discos são literatos, contundentes, críticos. É o tipo de gente que conseguiu fazer uma canção com o verso inicial “Bibliotecas nos dão força” subir nas paradas em pleno 1996. “A Design For Life”, a tal faixa do belo quarto álbum, “Everything Must Go”, é prima distante de “Critical Thinking”, trazendo as mesmas pessoas quase trinta anos depois, tentando entender o que está acontecendo.

 

Musicalmente, os Manics seguem tão afiados como sempre. Suas canções são belamente estruturadas, sempre com linhas melódicas assentadas em arranjos que partem do rock e do pop clássicos para lugares surpreendentes. Neste novo trabalho, parece que Nicky, James e Sean decidiram focar no rock do início dos anos 1980, gerando híbridos de art rock e new wave. Isso dá às canções de “Critical Thinking” uma verve mais urgente, tornando-as familiar ao público da banda e estranhamente “felizes”. “Decline & Fall” parece uma alegre gravação do A Flock Of Seagulls, um pouco mais enguitarrada, que faz o povo saltitar enquanto canta “I know our time has come and gone//At least we blazed a trail and shone” (Eu sei que nossa hora chegou e já foi//Pelo menos deixamos nossa marca e brilhamos”. É a serenidade diante do inevitável, a busca por detalhes em meio ao grande quadro. Faz sentido. Por vezes essa postura chega ao terreno do amor, caso da bela “Hiding In Plainsight”, que mais parece uma canção noventista da própria banda, épica e dilacerada, falando sobre o que fica para futuro é o que nós decidimos guardar. Belo.

 

“People Ruin Paintings” é sobre objetividade x lirismo. Parece lidar com a pouca importância que a lógica pós-capitalista atribui ao que soa mais artístico, elaborado e que não reza sobre a cartilha do lucro exacerbado a qualquer custo. “Tire o aventureiro do Ártico//Tire o marinheiro do oceano//Tire o niilista do deserto//Tire a bandeira do Mar da Tranquilidade//Pessoas destroem pinturas//Pessoas destroem a verdade”. Pense: há quanto tempo você não dá de cara com um verso destes? Talvez desde “The Ultra Vivid Violence”, álbum anterior da banda, de 2021. Em “Deleted Scenes”, a banda fala sobre as redes sociais e a capacidade que as pessoas têm de se exporem e, muitas vezes, se prejudicar. E em “One Man Militia”, a banda fala sobre o quanto é possível fazer de forma isolada, pessoal. E com o verso “Eu não sei do que sou a favor//Eu sei o que eu sou contra” é possível sintetizar muito da paranoia e da confusão que as pessoas vivem e como o tal pensamento crítico, mencionado lá em cima, faz falta e se torna importante.

 

Em meio a tudo isso, há espaço para uma belíssima, maravilhosa canção. “Dear Stephen” é um aceno glorioso ao passado, quando Morrissey e os Smiths vieram tocar em Cardiff, em 1984, e o baixista e letrista dos Manics, Nicky Wire, fã da banda, não pode comparecer ao show. Sua mãe escreveu para os Smiths, que responderam a carta com um cartão postal, escrito “Melhore logo, Nicky”. Diante da terrível orientação política que Morrissey adotou com o tempo, a letra soa impressionante bela e terrivelmente otimista, com versos do quilate de “Querido Stephen, por favor, volte pra nós//Eu acredito em arrependimento e no perdão//É tão fácil odiar, difícil é ser gentil//Para parafrasear uma de suas dilaceradas letras”. Confesso que esta canção me emocionou de uma forma irreversível a ponto de pensar em reouvir obras de Morrissey que eu, na minha arrogância de meia idade, decidi escantear por conta de seu fascismo atual.

 

Os Manic Street Preachers têm essa habilidade de falar direto para seu público. São amigos que voltam, de tempos em tempos, e contam como estão, como passaram e como pretendem estar. É uma relação direta, íntima, boa. Ouvir um álbum como este é como conversar com seus camaradas. Afinal de contas, a vida é isso.

 

 

Ouça primeiro: “Dear Stephen”, “Critical Thinking”, “Deleted Scenes”, “Decline & Fall”, “Hiding In Plain Sight”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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