O mundo mágico de Yasmin Williams

 

 

 

 

Yasmin Williams – Acadia
46′, 9 faixas
(Nonesuch)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Quem ouve a lindeza acústica que é a música de Yasmin Williams, não imagina que ela se interessou em aprender a tocar violão e guitarra após jogar Guitar Hero 2 quando era moleca. O fato é que a menina – que é autodidata – logo ganhou um instrumento elétrico e um amplificador, acrescentando aos poucos um contrabaixo e um violão de doze cordas ao seu arsenal. Em pouco tempo, Yasmin percebeu que seu fascínio maior era pelos instrumentos acústicos e logo se achou artisticamente. Mais ainda – desenvolveu apreço especial por uma técnica chamada “lap tapping”, na qual o violão é posicionado no colo do artista, na horizontal, possibilitando um dedilhado específico e várias alternativas percussivas que acrescentam nuances inesperadas ao som. Quando estava terminando o colégio, Yasmin lançou “Serendpity”, um EP autoproduzido e, como não poderia deixar de ser, foi estudar teoria e composição na Universidade de Nova York, formando-se em 2018. Foi neste ano que ela lançou o primeiro álbum, “Unwind” e iniciou uma carreira fulgurante, que está em plena ascensão. No segundo trabalho, “Urban Driftwood”, ela já era aclamada como uma sensação dentro da música folk americana, fazendo shows e conquistando plateias por todos os Estados Unidos. O álbum foi tão bem junto ao público e críticos que Yasmin foi contratada pela prestigiosa Nonesuch Records para lançar o terceiro trabalho, este impressionante “Acadia”, verdadeiro acesso a mundo mágico musical.

 

O bacana de “Acadia” é que ele é um documento incontestável de uma jovem artista em franca evolução, experimentando e incorporando novas informação à sua arte. Se os primeiros álbuns mostravam um vigor vinculado à tradição do estilo e uma forte revisita nesses termos, o novo disco aponta para novos caminhos que não chegam a desvirtuar essas tradições, mas ampliá-las. Por exemplo, é a primeira vez que Yasmin tem a participação de vocalistas em algumas faixas e a presença deles não acontece de uma forma que ultrapassa os delicados limites da música de Yasmin. Por exemplo, na adorável “Virga”, quarta faixa de “Acadia”, os vocais de Darlingside conferem uma dimensão a mais para a melodia durante a maior parte do tempo, e quando ele canta, de fato, parece algo absolutamente natural e espontâneo. A sensação é como estar dentro de um sonho bom, no qual temos controle sobre quando e como iremos acordar. A captação dos detalhes do dedilhado em contraponto ao uso sutil de teclados e os próprios vocais, revestem a faixa de uma humanidade gentil. E essa é só uma das nove canções que “Acadia” contém.

 

Aliás, é bom lembrar que um título de álbum poucas vezes soou tão adequado. “Acadia” é uma das nomenclaturas gregas para “idílio” ou “refúgio”, ou seja, uma região tranquila, bela, para a qual alguém foi em busca de uma existência longe deste insensato mundo. O termo se popularizou, ganhou uma variação, “arcádia”, e cabe como uma luva para nomear este conjunto de canções tão gentis e frágeis. O início do álbum, com “Cliffwalk”, tem a participação de Dom Flemmons, que é historiador e multiinstrimentista. Sua presença dá mais corpo ao violão de Yasmin, que também se ocupa de uma percussão sutilíssima, que faz toda a diferença. Em “Harvest”, que vem logo em seguida, um violino percorre toda a melodia, enquanto Yasmin vai sustentando o andamento aparentemente numa direção oposta. Tudo se mescla perfeitamente em um momento de delicadeza extrema. A maravilhosa “Hummingbird” vem em seguida e novamente mistura violões, banjos e violinos, com um resultado mais forte e pujante, em que a delicadeza, ainda que presente, fica em segundo plano diante da dinâmica imprimida pelo arranjo.

 

“Sisters” é outro momento belíssimo, em que o violão de Yasmin aparece sozinho na condução da melodia, acompanhando por intervenções sutis de baixo e percussão. Em “Dawning” outra vocalista aparece, a cantora Aoife O’Donnell, novamente aumentando as dimensões da melodia de forma muito sutil, dando ao ouvinte a impressão de estar caminhando por uma floresta no primeiro dia de Primavera. Em “Dream Lake” há guitarra rock acompanhando a melodia, que começa branda e vai ganhando em corpo e possibilidades, enquanto “Nectar” tem a presença do produtor e baterista alemão Magro, dando coloridades diferentes. Fechando os trabalhos, “Malamu”, faixa que conta com a presença do saxofonista Immanuel Wilkins e do baterista Marcus Gilmore, também tem Yasmin nas guitarras e o resultado, ainda que bacana, acaba soando meio parecido com … Dave Matthews Band. Tudo bem, dada a belezura do restante do álbum, é um pecado menor.

 

“Acadia” é um produto raro na música pop de hoje. Não é para um público extenso e global, mas atende plenamente a quem se destina e, mesmo que soe complexo a ouvidos não-iniciados, é gentil e tenta conquistar. Uma lindeza que você deve conhecer.

 

 

Ouça primeiro: “Virga”, Hummingbird”, “Harvest”, “Dawning”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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