Nossa comorbidade é o Brasil atual
Vivemos a rotina das três mil mortes diárias. Do anda-e-para da vacinação inconsistente. Do caos econômico. Da incerteza absoluta sobre o futuro de curto prazo (que dirá o de médio/longo prazos) e da certeza da bestialidade de uma parte considerável da nossa sociedade. Vivemos a rotina da burrice como meio de vida, da truculência como conduta e da má fé como atitude. Vivemos o tempo mais terrível da história recente do país. Estamos na base do cada um por si.
A morte do humorista Paulo Gustavo e o atentado à escola de Saudade, em Santa Catarina, as interpretações estapafúrdias que estes fatos receberam, mostram que o momento do Brasil é seríssimo. Tento sempre me consolar pensando que a nossa sociedade já era assim há muito tempo, talvez desde sempre, mas a preocupação com a defesa de alguns pontos de vista camuflava “pensamentos” como “tinha que ter matado todo mundo em 1964” ou “o Paulo Gustavo é gay, logo tem que morrer” ou ainda o novíssimo – e tristíssimo – “você está lamentando a morte do ator global mas não está lamentando a morte das crianças em Santa Catarina”. Culminando com o inacreditável “se a professora estivesse armada, nada disso teria acontecido”.
O Brasil que emergiu de 2015/16 é um lixo de país. Findo o governo/projeto de conciliação de classes comandando pelo PT, nós fomos entregues a uma modalidade carniceira de gente. Ela se gestou silenciosamente enquanto Lula e Dilma pensavam estar desenvolvendo o Brasil, mas ambos deveriam ter feito da educação uma cláusula pétrea de seus governos. Sem chance para a burrice, sem espaço para a má fé. Deveriam ter feito muito mais do que fizeram – que não foi pouco, sabemos bem. Porque não dá mais para aguentar um país que é governado por um ser inclassificável como este atual presidente que foi eleito em meio a fraudes de todos os tipos, ações midiáticas nocivas, atos viciados do Judiciário. Tudo isso para impedir que, talvez, Lula novamente eleito, por fim, desse tudo de si num projeto para tirar de vez o brasileiro da burrice. E deveriam ter evitado a promiscuidade política com gente como temer, entre outros.
A nossa comorbidade chama-se jair bolsonaro. E também tem os nomes de todos os que contribuíram para sua chegada ao poder. Todos, sem exceção. Gente que votou, gente que anulou, gente que perde seu tempo para passar pano para os atos assassinos que este governo empreende. E, claro, gente que ousa – OUSA – sair às ruas num caos de mais de 400 mil mortes por uma doença terrível, que poderia ter sido evitada se este mesmo governo facínora tivesse comprado as vacinas que foram oferecidas ao país ainda no ano passado. Pense em quantas dessas 400 mil pessoas estariam entre nós se isso tivesse acontecido.
Para os desgraçados que gostam de usar termos como “gestão” para definir o que é certo e o que é errado, como podem engolir a gestão que o governo faz da crise sanitária? Como podem engolir um aborto institucional como o general pazuello, o covard-17? Como podem tolerar a briga do governo federal com os prefeitos e governadores na hora de determinar o lockdown necessário? Como podem engolir alguém como o paulo guedes, o demolidor do patrimônio público, que sugeriu, em meio à crise econômica, vender estatais para conseguir dinheiro?
Toda essa gente, mais os ratinhos, gentilis, jornalistas que colaboraram para a eleição e manutenção desta gente, e mais todos os que propagam achismos e burrismos via whatsapp, enfim, toda essa fauna abjeta que ganhou visibilidade nestes tristes tempos de hoje, merece, sem dó, o esquecimento total.
Nossa desgraça está, por exemplo, quando alguém diz que uma morte por covid-19 é justificável, exatamente por conta de uma … comorbidade. É como os nazistas, que matavam vulneráveis porque eram … vulneráveis e não podiam “manchar” uma sociedade pura.
São tempos terríveis, gente. E está cada vez mais difícil aguentar esta realidade prolongada em que estamos por conta própria, em meio ao caos, à doença e à certeza de que vivemos junto de pessoas que matariam apenas para dizer que estão certas – quando nunca estiveram.
Meus sentimentos aos familiares das mais de 400 mil vítimas de covid-19 no país, às da tragédia de Santa Catarina e à família de Paulo Gustavo. Que Deus, se é que ele existe, conforte e dê força para vencermos esta comorbidade chamada Brasil.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.