Nada Pode Parar Os Autoramas Mesmo

 

 

Autoramas – Autointitulado

Gênero: Rock

Duração: 32 min.
Faixas: 12
Produção Gabriel Thomaz, Alê Zástras e Jairo Fajersztajn.
Gravadora: Autoramas

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

Gente, Autoramas. Em termos de música, a simples menção da banda já é o bastante. E quando a gente coloca como título desta matéria/resenha o nome de um dos álbuns mais sensacionais dos sujeitos, queremos dizer que, sim, Gabriel Thomaz, Erika Martins, Jairo Fajersztajn e Fábio Lima são imparáveis. Até a covid-19 tentou derrubar os sujeitos mas fracassou. O lançamento de “Autointitulado”, no entanto, foi atrasado. Gabriel e Erika contraíram a doença, mas o vocalista e guitarrista fundador do grupo passou maus bocados por conta do vírus. Resistiu, no entanto e seguiu firme com o projeto de lançar o novo disco a qualquer custo. Com um estúdio montado na casa do baixista Jairo, os Autoramas fizeram lá o seu quartel-general, enfiaram todas as geringonças vintage que compõem o seu arsenal e rumaram para a cidade de Itatiba. Lá, o chamado “Estúdio Vegetal” sediou as gravações e processos de composição de algumas composições. Depois de tudo pronto, temos então as doze faixas que respondem pelo mais novo lançamento da história da banda, o nono. Sim, o tempo passa e, bem, até onde se tem notícia, nada parece capaz de parar os Autoramas. Como disse o próprio Gabriel: “Esse é um disco de sobrevivência: no tempo, no lugar e nas condições que estamos vivendo. Passamos dramaticamente pela crise, pelo Covid, nos adaptamos a tudo sem nunca parar de produzir, sempre pensando no trabalho, na música e no que o Autoramas sempre significou.”.

 

O negócio do Autoramas segue o mesmo. Rrrrock, como eles mesmo dizem há tempos. Só que não tem nada “clássico” por aqui, pelo contrário. Temos garage music, surf music, new wave, jovem guarda, ou seja, os pilares que sustentam a musicalidade do grupo desde sempre. Gabriel Thomaz, boa praça e cérebro da banda, é um dos sujeitos mais versáteis em termos de bom gosto musical e tem a música que sua banda faz como diversão e herdeira direta dos mais simpáticos sons obscuros já concebidos na cultura pop. Aqui a coisa permanece a mesma, aliada à natural evolução técnica da banda ao longo do tempo. O entrosamento dele com Erika, dentro e fora da banda, formou uma liga criativa que solidificou-se bastante e responde pela marca registrada da banda. Claro, se compararmos os trabalhos recentes com canções de outras formações, que tinham Flavia Couri ou Simone do Vale nos vocais e baixo, veremos diferenças, mas, por outro lado, teremos o mesmo DNA insolente e adorável que fez a banda ser um milagre de sobrevivência e autonomia independente em tempos tão cruéis para artistas desta natureza.

 

Temos aqui doze canções que só poderiam ser dos Autoramas. A abertura com “Nóias Normais” e “No Dope”, já colocam o ouvinte alerta sobre o que virá. Duas pequenas porradas com guitarras, teclados e vocais com a única intenção de chacoalhar o corpo do ouvinte, nada além. Os vocais de Erika e Gabriel funcionam bem e os arranjos orientam a pulação, mas há sutilezas para ouvidos mais atentos. Em “Dia da Marmota” (que é hoje, dia 02/02, veja só), a levada garageira da banda é contida por vocais meio neuróticos e baixos, que duelam com o instrumental, que aumenta o volume aqui e ali. Mas em momentos como “Boneco”, a rapidez é essencial, com vocais rasgados e vigor de sobra. Assim também é “Sem Tempo”, que vai quase na mesma onda, com menos de dois minutos de duração e um versinho interessante na abertura: “O tempo pediu ao tempo um pouco mais de tempo”. Já “Estupefato” e “Erupto” são mais cadenciadas, sessentistas e crocantes, com alguns efeitinhos bacanas aqui e ali.

 

“Autointitulado” tem, sim, uma distinção interessante em relação a trabalhos anteriores do grupo. Três faixas, todas elas singles, apresentaram uma faceta mais engajada da banda, o que é ótimo. “Dinâmica de Bruto”, que ganhou um clipe sensacional, é bem crítica, falando de fatos atuais, da brutalidade e da falta de consideração entre as pessoas. A jovemguardiana “O Ritmo do Algoritmo” tem uma pegada aerodinâmica para criticar a alienação dos públicos das redes sociais e dos serviços de streaming, que abrem mão de formar gosto pessoal por conta da facilidade dos algoritmos destes serviços em escolherem por eles. E, por fim, a participação de Rodrigo Lima, do Dead Fish, na raivosa e declarada “A Cara do Brasil”, com porradas desferidas sem dó na burrice maligna presente nos representantes eleitos para o governo federal. O resultado vem em um minuto redondo, sem desperdício.

 

Autoramas é garantia de trabalho honesto, dedicado, rico e cheio de energia. A banda segue feliz, firme e cheia de motivos para levar adiante o seu velho novo rock’n’roll sujo, nervoso e neurótico na medida certa. Em tempos como os atuais, receber este belo atestado de vida, cheio de vigor, é uma felicidade e tanto. Rrrrock!

 

Ouça primeiro: “No Dope”, “O Ritmo do Algoritmo”, “Boneco”, “A Cara do Brasil”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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